Solidariedade e sentido coletivo
Disseram-me uma vez que o que distingue um português de um holandês é que, no país deste último, quando alguém conta ao vizinho que fugiu aos impostos, este denuncia-o ao fisco, porque percebe que está a pagar por ele; em Portugal, quando tal ocorre, o vizinho não só aprecia o relato como quer saber pormenores para poder fazer o mesmo. Isto é, evidentemente, uma anedota. Contudo, é uma historieta reveladora da falta de sentido coletivo e do individualismo com traços de infantilidade que está muito, mas muito incrustado nos nossos hábitos. O "Estado" não somos todos nós, é uma entidade que convém sugar porque nos esmifra e suga. Estou a falar em sentido geral, não estou, evidentemente, a particularizar o momento atual em que o sentido de injustiça, de desânimo e de absurdo é dominante. Por acaso, até estou, mas noutro sentido.
Há poucas horas ouvi num noticiário a informação de que o governo vai mesmo fazer cortes nos salários da TAP. Veio logo o representante do sindicato dos pilotos a lamentar a medida. Argumentos? Essencialmente, dois: a) é uma "medida populista"; b) irá levar à fuga dos quadros mais qualificados da empresa. Portanto, se queremos manter os nossos pilotos na transportadora nacional - porque as pessoas guiam-se pelo mercado - devemos abrir uma exceção. Muito bem. Aceito que uns milhões a mais ou a menos nao alargam nem saram os buracos orçamentais e que seria de todo importante evitar tal sangria de qualificações. A questão é: e podemos deixar fugir os músicos, os biólogos, os sociólogos, os canalizadores, os informáticos, os enfermeiros - há até quem diga que tudo não passa de "oportunidades" - ? fazem menos falta que os pilotos? têm menos dignidade, menos direitos, menos qualidades do que o escol da TAP? ah pois, não têm é a mesma capacidade de mobilização e de ameaça. Talvez por estarem desempregados, será?

