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jugular

e depois do silêncio

Estação Baixa-Chiado, quatro da tarde. Muitas crianças, carrinhos de bebé, gente de todas as idades e tipos, todos atrasados para o início da "manif". No Marquês, há quem telefone: "Então? A cabeça do cortejo já vai nos Restauradores e ainda aí?" A resposta faz rir as pessoas à volta: "Eh pá, o Governo mandou o Metro boicotar-nos, estamos aqui há dez minutos e nada. Isto está tão cheio que parece o 25 de Abril." Uma senhora de 70 anos, reformada da função pública, emenda: "É mais o 1.º de Maio." Sai na Avenida, direta para o início do desfile: "Querem que a gente morra, mas não morremos tão depressa."

 

No Marquês, ainda há gente a chegar. A dúvida é a mesma em todas as conversas: "Vai ser maior ou menor do que o 15 de Setembro?" Quem está em casa a ver TV sossega a ansiedade: "Dizem que é maior do que a outra." Na rua não é fácil aferir - as imagens aéreas que chegam pelo Twitter, porém, parecem menos esmagadoras do que as de setembro. E há mais diferenças. Mais pessoas idosas, muitas mais - e, sobretudo, o silêncio. A Avenida desce-se sem cânticos, sem palavras de ordem, sem batuque de panelas. O júbilo do "somos tantos" de setembro, que eletrizou a multidão e trouxe às janelas gente a percutir trens de cozinha, não se sente aqui. Já não é uma estreia, já não nos arrepiamos por sermos tantos a exigir a demissão do Governo, o fim da austeridade tresloucada, por estarmos a fazer história. O "estamos aqui" não tem a dimensão solar do fim do verão passado. Porquê? É o frio, a luz que declina? Ou, como diz o eurodeputado Rui Tavares em conversa de balanço, enquanto no Terreiro do Paço a multidão desmobiliza, "as pessoas chegam aqui depois de muitas desilusões, e provavelmente têm dúvidas de que o Governo caia por dentro"?

 

Se não achassem que serve de alguma coisa sair à rua, as pessoas não sairiam. Não é só para estarmos juntos e aliviar a pressão. Não é só terapia. Há uma determinação de dentes cerrados, de resiliência, de "não nos iremos tão depressa nessa noite escura, nem pensem". Mas também um cansaço com as palavras de ordem, que se gritam poucas vezes, sem convicção. Só o símbolo Grândola anima todas as gargantas, mesmo se nem sempre a letra sai certinha.

 

Não é que estejamos tristes, derrotados. É outra coisa. Estamos fartos. Não partimos montras, não lançamos petardos, não queremos pancada com a polícia (que muito pouco se viu). Queremos o fim disto, e já nem temos pachorra para explicar, para inventar gritos novos. É bom que nos oiçam, mesmo calados - porque estamos a dizer chega.

 

E nem nós somos capazes de antecipar o que pode vir depois.

 

(publicado ontem, no dn)

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