cansada é pouco: enojada
o uso de capacete é uma obrigação imposta pelo estado aos cidadãos para sua própria segurança, como o uso de cinto de segurança. que a polícia mande parar uma pessoa de moto por não ter capacete faz por isso todo o sentido. que a polícia, perante a fuga dessa pessoa de moto sem capacete, dispare tiros (de aviso, de intimidação, seja lá o que for que sucedeu) é, além de totalmente ilegal -- que risco de vida para os polícias ou outros apresentava aquela pessoa? -- de uma tão total e revoltante estupidez que custa a crer que haja uma estrutura hierárquica que permita que um comunicado ou uma informação oficial seja dada nesses termos.
aliás, toda a comunicação da psp, tal como tem sido veiculada pelos media, é um prodígio de estupidez, de contradição e mistificação (para não variar do costume). se os tiros foram para o ar, como sustentam, por que motivo fazem questão de dizer que foram de balas de borracha -- como se, de resto, balas de borracha não matassem e ferissem e, se atingindo alguém de mota, não determinassem decerto um acidente? e se o motivo de mandar parar o rapaz era não ter capacete, por que já falam agora da 'hipótese' de a mota ser roubada (outro clássico das versões policiais: não tarda o rapaz passa a suspeito de assaltar velhinhas e de ter 'um longo cadastro')? e se o mandaram parar por ser perigoso para ele andar sem capacete, por que motivo de repente acharam que a melhor forma de lhe proteger a vida e a integridade física era persegui-lo e disparar tiros 'de intimidação'? e ainda: fariam o que fizeram se em vez de estarem na bela vista estivessem na avenida de roma ou na lapa?
não menos extraordinário é que, de acordo com o dn, a pj tenha sido informada pela psp de que 'a situação não requeria a intervenção da pj' -- mas o que é isto? agora uma morte em circunstâncias suspeitas não é investigada pela pj porque a psp, que está envolvida na morte, diz que não é preciso?? mas está mesmo, oficialmente, tudo doido?
em março de 2010, a propósito da morte de mc snake, escrevi este post. fui processada pelo sindicato nacional de polícia por alegado abuso da liberdade de expressão e difamação (acho que era isso, mesmo se não cheguei a perceber que parte do post seria considerada difamatória). o mp não acompanhou a acusação, o sindicato (que tem, como todos os sindicatos, isenção de custas) pediu a abertura da instrução e a juíza de instrução mandou arquivar. o sindicato recorreu para o tribunal da relação, onde suponho o processo estará a aguardar decisão. não estou a relatar isto por mais nenhuma razão que para reiterar tudo o que escrevi no post em causa (acho que se o sindicato se sentiu ofendido tem todo o direito de me processar, por mais que me chateie gastar dinheiro em advogado para me defender), e para acrescentar que pequei por brandura. a palavra certa não é cansada. é enojada. e furiosa. e uma boa parte da minha fúria é para a total ausência de interesse que vejo estes casos, que noutros países incendeiam as opiniões públicas, atraírem em portugal. aparentemente, a maioria das pessoas não consegue imaginar que isto possa suceder ao seu filho, ao seu sobrinho, ao seu irmão, ao seu neto -- ou a si próprio. aparentemente, a maior parte das pessoas acha que a lei se fez para ser cumprida por todos menos pela entidade que tem por missão vigiar o seu cumprimento. aparentemente, a maioria das pessoas não faz a menor ideia do que é um estado de direito. ou acha que isso é um luxo que não se aplica a bairros sociais, a minorias étnicas, a pobres, a gente que não conhece ou que não ve como 'igual'.
esta história, e a reacção a ela, diz muito sobre o país que somos e as instituições que temos. e o que diz é muito muito mau.