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as graças do Vasco

No alto da sua cátedra do Centro Comercial de Belém, o insigne Vasco Graça Moura continua a emitir decretos y arrezoados pera deffençom da muy perfecta rezom q. assyste a lengua de Purtuguall y as bõas y fermozas practicas q. hã de cuydar y prevenir suã currupçom, ay deus y u he. Há  pouco mais de um ano, e perante o bocejo e o assobiar para o lado do secretário de Estado da Cultura, ordenou aos funcionários da sua coutada de caça, desculpem, da sua quinta, perdão, do CCB, para não aplicarem o Acordo Ortográfico. Aguardei e aguardo o dia - já faltou  mais - em que um qualquer outro cacique decida não aplicar a Constituição no seu departamento, ou um autarca ordene a reintrodução da pena de morte no seu município ou freguesia.

Agora, em mais um movimento de caudilho da milícia que prega contra as hordas invasoras brasileiras que tão quereno c'a gentje deixe nosso portuga e fale cum'êiles, decidiu atirar-se à recente edição da obra completa do padre António Vieira, ontem, no Público. O que li, oh Tágides do Tejo, provou-me que o Trancão ainda não está despoluído, porque continuais a baralhar o espírito brioso de VGM com névoas tóxicas. Começa por dizer que Vieira "nunca foi “imperador da língua portuguesa”. Essa é apenas uma das muitas mistificações engendradas por Fernando Pessoa, que nem sequer percebeu que a língua não é um império mas sim a principal base identitária de uma comunidade humana". Tás enganado, ó Vasco. A língua é um império, sim, um poderoso instrumento do império, decerto, e uma magnífica - e não mais do que isso - herança do império, com certeza. É, aliás, a atualização dessa dimensão imperial que falta a VGM e aos que berram contra o Acordo. O de não perceberem que a língua portuguesa já não é posse da antiga potência colonial, antes constitui património comum dos herdeiros do império, que somos nós e tantos outros, em vários continentes.

E como bem começa,  melhor acaba: a denúncia do uso do verbo "despeitar" como transitivo. Talvez se justificasse uma petição pública para banir tal atrocidade que afronta a dignidade humana e compromete a resolução da crise do Euro, não? E, por fim, em grand finale, denuncia a suprema abominação: "Mas há pior: diz-se, a p. 25, que “os estudantes de Coimbra, instigados pela Inquisição, o tinham queimado em esfinge na praça de universidade, como herege e inimigo da pátria”. Em esfinge???". Esclareça-se que a expressão habitual era "em estátua", designando a queima da efígie de alguém ausente. Já vi escrito "em esfinge", sim, mas presumo que se trate de uma corruptela de "efígie". Um deslize a necessitar de correção? Não. O fariseu Vasco Graça Moura rasga as vestes de indignação e propõe, em apoteose, "mudar de revisor, guilhotinar estes três volumes inimigos da pátria e tratar da edição de Vieira como ela merece ser tratada". Que graça. E que pena já não haver, por exemplo, Comissão dos Descobrimentos e milhões para torrar, hmmm em óperas nunca vistas nem representadas do Philip Glass, for instance.

[a propósito do Acordo Ortográfico e do Público: há uns tempinhos mandei um texto, adaptado de um post que aqui escrevi acerca do assunto, para uma jornalista do Público; pelos vistos, nunca tiveram espaço para publicá-lo, quem sabe se eu tivesse proposto fazer uma grande fogueira com as obras que seguem o AO, o resultado tivesse sido outro].

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