Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

jugular

Where's My Fucking Money?

Estou por estes dias a ver "Os Sopranos". É uma bela glosa acerca da arte da proteção, do racket, da extorsão pura e simples, misturada com os dramas pessoais, quotidianos e familiares de um mobster da Mafia de New Jersey. Mas é também uma parábola acerca do dinheiro; do dinheiro e das dívidas. O dinheiro é um tema eterno. As dívidas também. As verdadeiras e as falsas, as justas e as impiedosas, as monetárias e as políticas. Há dívidas cujo pagamento é uma mera expressão de reconhecimento de submissão, tributo, páreas ou outra forma. E há formas sacrificiais, lendárias, como as que Atenas tinha que cumprir, sob a forma da entrega de catorze jovens para serem devorados pelo Minotauro. A atual dívida dos países periféricos da União Europeia é em euros - muitos - mas contém uma faceta tributária, política, dos reinos bárbaros ao centro; é o preço que estes pagam para se manter na órbita da civilização europeia, no clube do Euro, nas fileiras da democracia ocidental. Estão divididos, incapazes de reagir, paralisados por um complexo de inferioridade e esmagados pelo pânico. São, aliás, geridos por elites políticas que apostam em renegar os seus pares e em procurar as boas graças e os favores de quem os oprime. Noutros tempos, quando os estados europeus tinham diplomacias e políticas externas, haveria já alianças, alinhamentos e estratégias comuns de reação; hoje há apenas um salve-se quem puder. 

Contudo, o aspeto mais imediato, prático e concreto das dívidas é o monetário; dívidas sujeitas a juros brutais e arbitrários, definidas por aquele monstro sem cara e sem identidade chamado "mercados". A usura era condenada pelos Doutores da Igreja, os agiotas eram socialmente desprezados. Hoje, os maiores usurários do mundo são respeitados e temidos, adulados e adorados, debaixo das siglas respeitáveis que todos conhecemos. Mas nem por isso deixam de ser Tonys Sopranos a uma escala gigantesca. Num dos episódios da série (da 2ª temporada, acho), há um personagem que pede dinheiro a Tony; conhecem-se há muito, os filhos são colegas de escola. Tony até diz que é "amigo" dele e que o "respeita". Mas na altura de pagar, aquele percebe que a alegada amizade nada vale: juro de 5% à semana e o primeiro pagamento no prazo de dois dias. E de nada lhe serve dizer que o negócio está mal. What do you have for me, huh? Nothing? Where's my fucking money? O espancamento a que é sujeito, logo ali, não deixa margem para dúvidas. Pois nós por cá também passamos por um processo idêntico. Belas palavras sobre o reconhecimento dos sacrifícios e a necessidade de crescimento económico, mas o que importa aos agiotas (nossos "amigos" e que nos "respeitam") é o dinheiro e a verdadeira pergunta é Where's my fucking money? As murraças, essas, estão bem presentes e dolorosas, dadas não pelo mob boss mas pelos capos nacionais.

Virão os espirituosos que conhecem a série e que dirão que o tal personagem pediu dinheiro a Tony para uma sessão de póquer. Até lhes fica bem, porque bate certo com o discurso de que "vivemos acima das nossas possibilidades", de que desbaratámos em putas e vinho verde o dinheiro que nos meteram na mão. Responderei a esses que, se viram a série, sabem que ali todos pagam, todos estão sujeitos à extorsão, that's the way it is, quiosques e bordéis, pizarias e bares, escroques e trabalhadores honestos. Há até um - também de origem italiana - que viu o restaurante incendiado e que, episódio a episódio, vê a amizade e a admiração de Tony transformar-se em intromissão e controle do seu negócio. Ainda não cheguei ao fim da série, mas não me admiraria a chegada rápida da cobrança e da fatídica sentença: Where's my fucking money?

19 comentários

Comentar post

Arquivo

Isabel Moreira

Ana Vidigal
Irene Pimentel
Miguel Vale de Almeida

Rogério da Costa Pereira

Rui Herbon


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes

  • Anónimo

    The times they are a-changin’. Como sempre …

  • Anónimo

    De facto vivemos tempos curiosos, onde supostament...

  • Anónimo

    De acordo, muito bem escrito.

  • Manuel Dias

    Temos de perguntar porque as autocracias estão ...

  • Anónimo

    aaaaaaaaaaaaAcho que para o bem ou para o mal o po...

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2015
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2014
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2013
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2012
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2011
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2010
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2009
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2008
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2007
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D

Links

blogs

media