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os vazios de Cavácuo

Ouvi o discurso do Cavácuo hoje de manhã e, ao contrário de muita gente, não fiquei indignado nem rasguei vestes, nem deitei fumo pelas orelhas, nem me caiu o queixo (sim, o queixo, que este é um blog familiar) aos pés. Para isso, era necessário que alguma vez tivesse acreditado nas suas palavras, que em alguma ocasião lhe tivesse confiado o voto, que algum dia houvesse merecido a minha confiança. Para haver desilusão é preciso ilusão prévia e este cavalheiro, oh meus amigos, nunca me enganou. O político por excelência que se diz acima dos políticos, o manipulador que quer fazer crer que não tem dedidos nem fios, nem redes nem teias, o mestre em intriga de bastidor que se arroga de impolutas credenciais. Podia manter-se no perfil esfíngico, que um bibelot de estante não faz grande mal. Mas desde a incrível novela das "escutas de S. Bento", da colossal cara-de-pau da comunicação em direto ao país que se lhe seguiu, oh para mim bastou.

Portanto, não constituiu grande surpresa o teor do discurso de hoje. Houve tempos em que Cavácuo se mostrava assaz preocupado com os efeitos da austeridade nos portugueses e que dizia que havia limites. Eram outros tempos, evidentemente. Hoje são outros. O discurso tem, contudo, coisas interessantes. Uma delas é a redundância de conceitos ocos que não querem dizer nada, uma espécie de saco cheio de coisa nenhuma, um chouriço de vento. Exemplos: 1. Diz que o governo "se viu na contingência de reconhecer o inadiável". Bom, se era contingência, não era inadiável, se era inadiável, não era contingência, era inevitabilidade; e um inadiável executa-se, aplica-se, realiza-se, não se reconhece. 2. Depois, fala em "objetivos alcançados" por este governo: "Entre esses objetivos, importa destacar o equilíbrio das contas externas, um resultado que não era atingido desde há muito"; que bom termos contas externas equilibradas. No dia em que houver importações zero por destruição completa da economia, em que acabemos todos a cavar batatas, Cavácuo entrará em órbita eufórica. Não há mais "objetivos alcançados" ou "sucessos"? Pena, é pouco para amostra. 3. Demonstra uma inacreditável insensibilidade. Lê-se e não se acredita: "O efeito recessivo das medidas de austeridade inicialmente estabelecidas revelou-se superior ao previsto, provavelmente por falhas nas estimativas". Entenda-se: não foi o governo que falhou, o projeto que falhou, a política que falhou, o rumo e as (miraculosas) soluções de austeridade além da troika, rapidamente, a doer e em força, que falharam. Nada Disso. Foram apenas "as estimativas", coisa pouca, e sem certezas, apenas "provavelmente". 4. Por fim, um insuportável vernáculo de economistês. Um Presidente da República que, na data mais importante da democracia e em tempos de crise, é incapaz de dirigir aos seus concidadãos palavras de esperança, de confiança e de coragem e que, em vez disso, se atulha em "rácios de solvabilidade""desalavancagem dos bancos", "défice primário estrutural", "pacotes normativos «six-pack» e «two-pack»" ou "rácio da dívida pública", não é um Presidente, é uma grafonola que debita chavões vazios. Vazios. No final, lá vem o choradinho da Europa. Afinal Portugal é vulnerável ao exterior e muito sujeito aos caprichos. Engraçado. Julgava que a culpa era dos governos incapazes (pelo menos, o anterior) e que não se devia hostilizar as agências de rating e muito menos "os mercados".

A abrir e a encerrar, a lata suprema: falar em "extrair lições da História" - gostava de saber quem as daria; ele? não me façam rir, que o momento é sério - e no "sonho nascido em abril de 1974". Ora bolas, como diria o poeta, o Cavácuo não sabe, nem sonha o que isso foi e o que isso é.

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