Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

jugular

O sangue das buganvílias

Venha quem vier, mudem as estações, parem as chuvas, esterilizem os solos, nós somos cada vez mais como as buganvílias: a florir em sangue no meio da tempestade. «O sangue das buganvílias» de Ana Paula Tavares, historiadora nascida no Huíla, Sul de Angola, em 1952, é uma colectânea de crónicas editada em 1998 pelo Centro Cultural Português de Cabo Verde. No primeiro parágrafo da primeira página da primeira crónica, «Língua materna», a cronista avisa-nos que esta é uma obra que não cede à trivialização nem à simplificação da verdade angolana tantas vezes esgrimida na comunicação social. Este aviso é reforçado na página 49 quando confessa: custa tanto a ouvir a palavra desperdiçada nas ocasiões festivas, usadas como enfeite na lapela nas ocasiões solenes, banalizada em discurso de ocasião, manifesto de boas e más intenções mais uma vez a adiar a vida. A crónica «A princesa e os meninos à volta da fogueira» denuncia o pacto da hipocrisia mediática que vende a dor de quem nada tem para vender num exercício despudorado de «bondade» de ocasião: É preciso que descansem e possam lamber, em paz, as suas próprias feridas. Mas a princesa loura e boa está atenta, espelho meu, e no seu belíssimo cesto de maçãs, transporta o veneno da exposição, a falta de pudor para falar das feridas dos outros, os seus actos de boa vontade encomendados. Alimenta-se de sangue e nunca foi ao Huambo: rebenta minas no cinema, na televisão e na rádio.

Uns escassos seis anos após o final da guerra civil que despedaçou Angola - de que vi os vestígios bem claros numa Luanda em total reconstrução-, não acho que tenha condições, em boa consciência, para analisar as eleições em Angola, ou antes, perder-me em manifestos de boas e más intenções mais uma vez a adiar a vida ... Recordaria de novo a máxima de Thomas Jeffserson, «No nation is permitted to live in ignorance with impunity» e faço antes uma análise do que foi a contribuição nacional para contrariar esta máxima nas ex-colónias portuguesas em geral. O ensino universitário existe em Angola e Moçambique apenas desde 1962, ano em que foram criados os Estudos Gerais Universitários respectivos, integrados na Universidade Portuguesa. Seis anos depois, em Dezembro de 1968, estes Estudos Gerais Universitários foram transformados por decreto nas Universidades de Luanda e de Lourenço Marques. Após a independência, estas instituições passaram a chamar-se Universidade de Angola - a partir de 1985 a Universidade Agostinho Neto - e Universidade Eduardo Mondlane. Nas restantes ex-províncias ultramarinas durante a soberania portuguesa não existia qualquer tipo de ensino universitário e os poucos locais que prosseguiam estudos superiores faziam-no alhures. Nestes países, as primeiras Universidades foram criadas em finais do século XX ou mesmo já no século XXI, como é o caso de Cabo Verde - com a Universidade Jean Piaget, fundada em 2001 -, e São Tomé e Princípe que, embora dispondo de um Instituto Superior Politécnico, apenas conta com ensino universitário em Direito e Gestão - ministrado pela Lusíada - desde Novembro de 2006. Em Timor, por iniciativa do então governador Mário Carrascalão, foi fundada em 1986, em plena época de ocupação indonésia, a Universitas Timor Timur (UnTim), que foi vítima - assim como 95% dos estabelecimentos de ensino básico, secundário e superior - da destruição sistemática de infra-estruturas vitais que assolou este país em 1999. A actual Universidade Nacional de Timor foi criada em 2000, uns largos anos depois da fundação de universidades, ainda no activo, em outras colónias na mesma zona do globo. Por exemplo, nas Filipinas foram fundadas universidades em finais do século XVI - o Colégio de San Ildefonso (hoje Universidade de São Carlos) em 1595 e o Colégio de Santo Tomas (1611), elevado a Universidade em 1645 - e em meados do século XIX na Austrália (Sydney em 1850) e Nova Zelândia (Otago em 1869). Voltando a África, as universidades mais antigas de que há registo histórico situam-se exactamente no continente africano, a Universidade Al-Karaouine (859) em Fez, Marrocos e a Universidade de Al-Azhar (970) no Cairo. De igual forma, a Universidade de Sankore - situada na mesquita com o mesmo nome fundada em 989 em Timbuctu - foi um importante centro intelectual durante os impérios Ghana, Mali e Songhai que dominaram a África Ocidental medieval. Na África colonial, a mais antiga Universidade foi fundada em 1829 na Cidade do Cabo, África do Sul. Um colega brasileiro reclamou uma vez ser característica da colonização portuguesa a total falta de investimento em educação, nas colónias dizia ele, no Continente acrescentava eu, recordando que Portugal até ao Marquês de Pombal fora um bastião da contra-reforma. O Marcos apontava as colónias de outras potências, que contam com instituições centenárias, enquanto a primeira Universidade de facto no Brasil, a Universidade de São Paulo, USP, foi fundada em pleno século XX, em 1934 Na realidade, a actual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) traça a sua origem a 7 de Setembro de 1920, mas alguns historiadores indicam que a instituição, que deu origem à expressão «para belga ver», foi criada expressamente para conceder um doutoramento Honoris Causa ao rei da Bélgica, por ocasião da sua visita ao Brasil. As primeiras universidades em colónias europeias foram criadas no século XVI por jesuítas ou dominicanos na América Latina. A Universidade de São Domingos na República Dominicana, fundada em 1538, foi a primeira universidade das Américas, seguida das Universidades de San Marcos (1551) - e Cuzco (1692) - no Peru, México (1551), Santo Tomás de Aquino em Santiago do Chile (1622), Nuestra Señora del Rosario em Bogotá na Colômbia (1653), San Carlos de Guatemala (1676), Central de Venezuela (1721) e Havana em Cuba (1728). Na América do Norte datam dos séculos XVII ou XVIII as primeiras universidades, Harvard, Yale e Filadélfia, criadas, respectivamente, em 1636, 1701 e 1755 e a Universidade de Laval no Quebeque fundada em 1663, seguida em 1785 pela primeira universidade canadiana em língua inglesa, a Universidade de New Brunswick. Embora também no século XVI Marçal Beliarte, que substituiu José de Anchieta como Provincial da Companhia de Jesus no Brasil, tenha pedido ao rei o reconhecimento como universidade do colégio jesuita da Bahia «para bem servir aos propósitos da colonização», apenas em 1808, com a fuga da corte portuguesa para o Brasil, foi criada a primeira faculdade, a Academia de Medicina e Cirurgia agregada com outras escolas superiores mais de 100 anos depois na Universidade «para belga ver». De facto, no Brasil colonial foram criadas algumas escolas superiores isoladas, nomeadamente a precursora do actual Instituto Militar de Engenharia, criada por Pedro II no decreto régio de 15 de Janeiro de 1699 - renomeada por Maria I, em 1792, em Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, que funcionou na Casa do Trem, hoje o Museu Histórico Nacional, nome abreviado em 1811 para Real Academia Militar. O curso de formação de Soldados Técnicos criado por Pedro II funcionava na Fortaleza da Praia Vermelha - para onde regressou como Real Academia Militar em 1856 -, e teve como primeiro professor o capitão-engenheiro Gregório Gomes Henriques. Em meados do século XVIII, o lente deste curso de engenharia militar, o brigadeiro José Fernandes Pinto Alpoim, escreveu e editou os primeiros livros didácticos impressos no Brasil: Exame de Bombeiros (1748) e Exame de Artilheiros (1744) Durante a minha estadia em Angola este tema, mais concretamente a falta de manuais escolares e outros livros didácticos, especialmente infantis, produzidos e impressos em solo angolano, era notícia frequente na rádio e televisão locais. O que me fez lembrar outra citação de Jefferson: «And say, finally, whether peace is best preserved by giving energy to the government or information to the people. This last is the most certain and the most legitimate engine of government. Educate and inform the whole mass of the people. Enable them to see that it is their interest to preserve peace and order, and they will preserve them. And it requires no very high degree of education to convince them of this. They are the only sure reliance for the preservation of our liberty.»

7 comentários

Comentar post

Arquivo

Isabel Moreira

Ana Vidigal
Irene Pimentel
Miguel Vale de Almeida

Rogério da Costa Pereira

Rui Herbon


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes

  • Anónimo

    The times they are a-changin’. Como sempre …

  • Anónimo

    De facto vivemos tempos curiosos, onde supostament...

  • Anónimo

    De acordo, muito bem escrito.

  • Manuel Dias

    Temos de perguntar porque as autocracias estão ...

  • Anónimo

    aaaaaaaaaaaaAcho que para o bem ou para o mal o po...

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2015
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2014
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2013
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2012
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2011
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2010
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2009
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2008
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2007
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D

Links

blogs

media