kill you if I can. (story of isaac) não vi o concerto. estava no porto. se estivesse em lisboa, teria tido de escolher entre lou reed e cohen -- infinita burrice a dos programadores. mas como vi lou reed em 1980 (ou 81?) em cascais num concerto memorável (o primeiro da minha vida) teria decerto optado por cohen. à espera de ouvir dizer -- ele di-las mais do que as canta-- as duas estrofes acima. de todo o cohen, é isto sobretudo que eu retive: a reversibilidade tremenda das deliberações e dos sentimentos, a crueldade desalentada do coração humano, e esta voz de magoada perversidade, a voz de um profeta doloroso, sem redenção, maldito. ajudar-te-ei se puder, matar-te-ei se tiver que ser, e depois, logo a seguir: ajudar-te-ei se tiver que ser, matar-te-ei se puder.
Olá, Fernanda. Não foi o Cohen "profeta doloroso, sem redenção, maldito" que lá esteve, como já deve saber. No início reparei que, na banda, o violino estava ausente e percebi logo que não iríamos ter esse Cohen, com alguma pena minha. O que não evitou que, logo que ele entrou no palco, as lágrimas me viessem aos olhos: era a 3ª e provavelmente a última vez que estaria ali com ele. O que me leva a desejar que ele esteja por aqui (apesar de não o ter cantado):
"Now the crickets are singing The vesper bells ringing The cat's curled asleep in his chair I'll go down to Bill's Bar I can make it that far And I'll see if my friends are still there Yes, and here's to the few Who forgive what you do And the fewer who don't even care And the night comes on It's very calm I want to cross over, I want to go home But she says, Go back, go back to the World."
Teria sido em vão... ele não cantou essa... (nem o Joan of Arc... nem o Famous Blue Raincoat...) Mas foi um belo concerto, com um público decente, silenciosamente a ouvir cada uma das palavras (sim, mais ditas do que cantadas) do Cohen; e um Cohen, muito simpático e educado, a agradecer enquanto dizia qualquer coisa como: "É um privilégio estar aqui a cantar para os portugueses, um povo com uma tradição musical tão importante"). Ps. Andava por lá, na zona VIP, o Tim Robbins (a Fernanda teria gostado de falar com ele e trocar umas quantas teorias da conspiração tipo Michael Moore).
Sublinho as palavras da Fernanda, "a reversibilidade tremenda das deliberações e dos sentimentos, a crueldade desalentada do coração humano, e esta voz de magoada perversidade, a voz de um profeta doloroso, sem redenção, maldito"... porque contundentemente vivas (no coração humano). Mas 'um profeta maldito, sem redenção' o será apenas para aqueles que não reconhecem a contradição em si próprios. Para aqueles que vivem e assumem seus paradoxos, em campo aberto de batalha para lá de toda a busca de segurança, as palavras de Cohen não são malditas mas humanas. . Sendo ilustrada pela história de Isaac, não sei se a reflexão não nos levaria a outro patamar, por evocar uma história de fé. Mas se mantiver em tensão as duas possibilidades, a condição humana (como nas palavras da FC) e a possibilidade da fé, mesmo para aqueles que pensem não tê-la - e nesse sentido, estão em igualdade com os outros, pois a dúvida paira em todas as histórias de fé - se mantiver a tensão, uns e outros têm diante de si o absurdo, só redimido pela consciência do próprio valor, do valor de todas as coisas, acolhidas, acalentadas, transcendidas até. Transcendidas, por terem sido acolhidas primeiro.
às vezes a minha memória espanta-me a mim próprio, agora que falas desse concerto (onde eu também estive) lembro-me de o LR pegar no microfone pelo fio e fazê-lo girar ... resultado .... o fio partiu-se (ainda haviam microfones com fio) e lá veio um técnico a correr consertar aquilo. Mas o meu primeiro concerto foram os fairport convention (em 77?) no pavilhão dos desportos, alguém se lembra?
Este comentário não é ao concerto do Cohen a que ,infelizmente não fuimas á sua frase no DN de que ainda se admirava com afalta de vergonha.Espere uns anitos e vai ver...Eu por mim já nada me admira.Sou doutra geração(de 62,já tão longe...)Vai ver que cada vez se admira menos..O que não quer dizer que a tristeza não aumente!