"Do inalienável interesse das crianças" por Pedro Morgado
A Assembleia da República votou favoravelmente a lei que consagrada a co-adopção para casais do mesmo sexo. Com uma maioria de centro-direita no Parlamento, a aprovação só foi possível porque alguns deputados do PSD e do CDS-PP tiveram a coragem de romper as lógicas partidárias e corresponder aos superiores interesses das crianças que já vivem com casais do mesmo sexo. Esta matéria assume uma dupla relevância política e social uma vez que estes projectos está em causa: 1) o superior e inalienável interesse das crianças que, em caso de falecimento de um dos pais se vêm privadas de ficar com o outro elemento do casal; 2) a eliminação de uma parte das discriminações legislativas em função da orientação sexual que ainda subsistem no panorama jurídico português.
Há um voto que, pelo seu simbolismo, não deixou de causar enorme estranheza e perplexidade: Hugo Soares, presidente da JSD, votou contra todos os projectos. Este voto, simbólico, demonstra que apesar de se auto-intitular como representante de uma geração, Hugo Soares não soube estar à altura da sua própria geração pretendendo impedir que algumas crianças possam ter o seu futuro assegurado junto daqueles com quem vivem. É um voto ainda mais incompreensível quando se sabe que o Hugo Soares tem apoiado de forma genuína campanhas que visam o promover o fim da discriminação em função da orientação sexual, atitude que só pode e deve ser enaltecida (e não escarnecida).
Sei, porque acompanho o seu percurso político há vários anos, que o Hugo Soares acredita na importância da remoção de todas as discriminações em função da orientação sexual que ainda subsistem no nosso quadro legislativo. E sei, porque partilho o mesmo espaço urbano e algumas lutas políticas, que o Hugo Soares já percebeu que no seu círculo de amigos, nos seus colegas de trabalho e no interior do seu partido, há alguns homens e mulheres que não se sentem confortáveis com esta posição que assumiu enquanto deputado e líder da JSD, contribuindo para que nem todos acreditem que tudo vai melhorar.
Em resposta à contestação pública e silenciosa que chegou de todos os quadrantes políticos e sociais, o Hugo Soares teve necessidade de esclarecer que a sua posição pessoal não reflectia a posição da JSD, mas reafirmou que o seu voto vinha ao encontro do "superior interesse da criança" e que reflectia "uma opção de modo de sociedade". É aqui que estamos em profundo desacordo. Em primeiro, porque o seu voto não respeita os superiores interesses das crianças que vivem em famílias constituídas por um casal de pessoas do mesmo sexo e que estão completamente desprotegidas pelas Leis em vigor. Em segundo, porque o seu voto não atende às posições que têm sido formuladas por inúmeras entidades independentes nacionais e internacionais que encorajam a co-adopção e a adopção por todos os casais como forma de proteger os direitos das crianças e assegurar os seus inalienáveis interesses (permito-me destacar a posição da Associação Americana de Pediatria, conhecida em março de 2013, e fundamentada pela melhor e mais recente investigação científica neste domínio). Em terceiro, porque o que se espera das juventudes partidárias é que não funcionem como extensões dos partidos mas que tenham a capacidade de interpretar as expectativas dos mais jovens e gerar soluções que ajudem a conformar o tal modo de sociedade do futuro.
Mesmo que as suas posições públicas (talvez um pouco precipitadas pelos acontecimentos) tenham tornado muito difícil uma revisão da sua posição na próxima votação global (o que, todavia, só enalteceria o seu percurso político), estou certo que o Hugo Soares reconhecerá a justeza das críticas, o valor dos argumentos e o inequívoco assentimento dos pareceres especializados, por forma a que, num futuro muito próximo, volte a estar do lado certo da História.

