Resume-se a isto
Já me começo a fartar da história da coadoção. É verdade que o assunto tem o seu quê de divertido: foi aprovada de forma inesperada porque uns quantos laranjas roeram a corda e fizeram desequilibrar a balança. Quem perdeu viu-se súbita e inesperadamente com as calças em baixo, "ai ai deixa lá fazer contas, bolas, quem mandou conceder liberdade de voto?".
Agora tenta-se desesperadamente inverter o processo, de três formas principais.
A primeira é lançar o debate, ainda que a posteriori. Não foi feito antes porque se pensava que eram favas contadas; agora, aí vem o coro de "argumentos", os Prós e Contras e o inevitável fogo de barragem na imprensa. Não deixa de ser curioso: quando há uns anos foi levantada a questão da necessidade de discutir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, os do "não" vieram logo a correr, que era uma coisa que podia esperar (assim como o Vasquinho da Anatomia disse às tias que não havia pressa em mostrar o seu consultório, "pode ser amanhã, depois de amanhã, daqui a quize dias"), afinal o país tinha problemas bem mais graves e prioritários e o tema não passava de areia para os olhos da "esquerda" para desviar as atenções. Hoje, e uma vez que a tal lei da coadoção passou, não se pode invocar o mesmo? Que é um pormenor sem relevância, passou, passou, vamos mas é dedicar-nos aos problemas graves do país? ah, não, agora já é preciso discutir tudo à lupa, afinal, disto depende a resolução da crise do Euro e, quiçá, o futuro da Humanidade.
A segunda é discutir o assunto buscando "estudos" e "provas científicas" que alegadamente mostram os terríveis malefícios que aguardam as crianças adotadas nestas circunstâncias. Sobre este assunto, depois da vergonhosa prestação do Abel "Plágio" Santos no Público e da ainda mais vergonhosa complacência e cumplicidade de toda a gente, não me pronuncio. Porque tenho dificuldade em falar de coisas que me enojam.
A terceira - e finalmente chego ao que me interessa, maldita mania dos preliminares - é uma espécie de naturalismo insuflado e balofo: que uma criança tem naturalmente um pai e uma mãe. Ou um pai. Ou uma mãe. Nunca dois pais e duas mães, como na Natureza. Bom. É pobre argumento. Nem me merece comentários a quantidade de delírios lançados por alguns - paralelos com a adoção de animais, por exemplo - para lançar a confusão. A intenção, percebo-a: incutir a ideia apocalíptica de que isto é mais um degrau na escala da degradação civilizacional. Fico-me pelo essencial, que mais me incomoda e perturba: a atribuição de funções distintas ao que é "ser pai" e "ser mãe", a autoridade, o respeito e a força (e, já agora, o sustento do lar) do pater familias atribuídos ao primeiro e o afeto, o carinho e o amor (mais a função doméstica) do instinto maternal ao segundo. Uma criança criada por um casal feminino sairá certamente efeminada, caótica e sem regras; por um casal masculino, bom, nem quero pensar nos abusos a que será sujeita. Tudo isto agravado pelo facto de, em ambos os casos, se tratar de casais homossexuais o que, pela mesma linha de pensamento - que considera a homossexualidade um desvio passível de "cura", como alegam os alucinados da NARTH - irá inevitavelmente condicionar (melhor, contaminar) a sexualidade da criança. É isto, no fundo. O resto são fumaças.