João Pinto e Castro. Eras assim, na minha memória
João, aqui no «Jugular», eramos os mais velhos, de outra geração. Tu tinhas a minha idade, eras até um pouco mais novo. O que eu gostava de te ler, da tua inteligência, da tua ironia e do teu maravilhoso sentido de humor, bem como do teu sentido de previsão (quase profético). Acabei de ler um texto teu de 2003, sobre o euro, estava lá tudo. Gostava de estar contigo, seguir o teu pensamento brilhante, original, acutilante e criativo. Os teus textos na imprensa e os teus posts, não só os “económicos” (como diz a Shyz), eram maravilhosamente bem escritos. Eu também tinha predilecção por aqueles, curtos, sintéticos e cáusticos, indo directos ao alvo e, como já alguém hoje disse, completamente compreensíveis.
Contigo, tenho uma história que vou contar agora. Conheço-te desde “miúda”. Eramos crianças, quando nos encontrávamo-nos nos aniversários de amigos comuns, e brincámos juntos. Depois, nunca mais te vi, até uma noite, em 1973, ou início de 1974, antes daquela madrugada clara e luminosa, que ambos tanto gostamos – não sou ainda capaz de utilizar o verbo no passado -, de 25 de Abril. Eu vinha de Queluz, de um encontro político clandestino, a conduzir um «Morris» e, pelo retrovisor – olhávamos naqueles tempos sempre à nossa volta -, comecei a ver um automóvel sempre atrás de mim. Pensei, como todos pensávamos então, que se tratava da PIDE e comecei a pensar que jamais poderia chegar a minha casa, em Lisboa, com aquela viatura atrás. Como sabíamos, em caso de prisão, o que se fazia era fazer barulho para que eventualmente alguém ouvisse e avisasse que nos tinham apanhado e estávamos nas mãos da polícia política. Ora, era noite, e às tantas cheguei à Avenida Fontes Pereira de Melo, perto do Marquês de Pombal muito próximo de minha casa, quando vi a solução.
O semáforo estava vermelho, olhei para o automóvel do lado e vi-te, a ti, aquele miúdo que eu conhecia de pequena e que tinha perdido de vista. Pensei que podia confiar em ti e pedi-te ajuda. Parada no semáforo, saí do carro em plena Fontes Pereira de Melo e dirigi-me a ti. Estavas ao volante. Não sei o que te disse, porque à época não se falava expressamente, muito menos da PIDE/DGS, mas contei-te que pensava estar a ser perseguida e pedi-te para ires atrás de mim até minha casa, dando-te a morada. Assim fizeste e o certo é que a viatura que me seguia desde Queluz, viu o que estava a acontecer e despareceu. Nunca soube se se tratava da PIDE, ou de outro perseguidor qualquer, mas sei que me “salvaste”. Depois, ria-me a pensar o que terias tu achado de mim: se eu era louca ou paranóica?
E o mais curioso – soube muitos anos depois, quando de novo te reencontrei e fizemos parte dos mesmos blogues – que também tu estavas organizado num partido clandestino contra o regime ditatorial e a guerra colonial, o que te fizera correr então um risco muito maior do que eu pensava. Pertencíamos a duas organizações políticas clandestinas da esquerda radical, parecidas mas diferentes, em tempos de sectarismo e de todas as “certezas”. Nunca esqueci a ajuda que então me prestaste. Tinha esta história para te contar e ver se te lembravas dela, mas, nos nossos numerosos encontros, nunca te falei dela.
Agora já não te poderei contar o episódio, mas vou contar à Gina, na qual penso neste momento. E nos teus filhos, Inês e André. João, que bonita história de amor a tua e a da Gina. Saudades.