en bacanches
Há uma década, as televisões passavam repetidamente uma informação curiosa: a PSP e a GNR tinham um programa de "férias seguras" que concedia segurança adicional aos cidadãos, quando se ausentassem. Bastaria que se dirigissem à esquadra da sua zona de residência e que preenchessem um impresso com os dados da habitação, os dias de ausência, as pessoas que possuíam chave, etc. Seria então feito um reforço do patrulhamento durante o período de férias. Lembro-me perfeitamente de ter visto um responsável policial num dos programas "da manhã" a falar do assunto. Pois. Em 2003, foi o que fiz. Mas na esquadra da minha zona desenganaram-me logo: ninguém sabia quem tinha inventado tal patranha, os próprios agentes estavam irritados com a coisa, porque esse programa não existia, na esquadra não tinham quaisquer instruções a esse respeito, nem meios, nem formação, nem coisa nenhuma. O palpite do guarda foi que alguém nas relações públicas da PSP tinha bons contactos na imprensa e quis, assim, aumentar o sentimento de confiança da população. Mas ali, que ainda por cima era GNR, nada disso existia.
Lembrei-me deste episódio há dias, ao escutar, com divertido interesse, uma peça que passou num dos noticiários da hora do jantar (não me lembro do canal): começou com uma parceria de patrulhamento policial luso-espanhol em diversas localidades de ambos os lados da fronteira, passou para vários depoimentos obtidos na rua junto de turistas (invariavelmente ora portugueses, ora espanhóis) e de vários agentes e rematou com o que parecia ser uma ação de formação dada a elementos policiais. Pelo menos, estavam todos sentados a escutar uma pessoa que ia falando e proferindo frases exclamativas para a audiência. Um pormenor interessante: aparentemente eram todos homens, sentados e fardados; quem falava, não. Nem homem, nem sentada, nem fardada, muito pelo contrário: uma mulher jovem e indubitavelmente atraente que ia circulando pela sala, de mini-saia ou calções curtos e decote generoso. Seria bom que alguém dissesse se tal opção vestuária foi eficaz ou contraproducente, sff.
Uma das frases que me chamou a atenção foi (mais ou menos) esta: "o pior que se pode dizer a quem foi vítima de furto [eram sobretudo os furtos que estavam em foco, por constituírem a maioria dos casos de queixa policial e o que mais origina o sentimento de insegurança nos turistas] é «não posso fazer nada»; é sempre possível fazer alguma coisa, e o agente pode e deve informar a pessoa lesada dos procedimentos que são tomados e incutir-lhe confiança". Que pena que estas recomendações dadas aos agentes policiais apenas vigorem em ambientes turísticos, no Algarve e durante a época balnear. É que no resto do país, nos restantes nove meses do ano e junto da população mais morena e com menos sotaque também dava um grande jeito.
Eu explico: a minha casa foi assaltada duas vezes, em 2007 e 2008, com um modus operandi idêntico. Em ambas lá foi o piquete da esquadra policial tomar nota da ocorrência, mandaram o C.S.I. lá da terra no dia seguinte com uns pincelinhos e pó-de-talco para concluir que "usaram luvas, nada a fazer". Das duas vezes, os agentes, enfim, encolheram os ombros, "pois, está a ver, esta malta... isto agora é assim", e a tal frase assassina: "não podemos fazer nada".
Das vezes que fui à esquadra tentar obter informações, a reação foi mais ou menos a mesma, um encolher de ombros, pistas, casos idênticos, suspeitas? ná, "é melhor esquecer, tem seguro?". Nada disto, por si só, seria muito grave. Mas quando tive que tomar providências de segurança e contratei um serralheiro da terra para me fazer uma (linda) porta de lagartas, ouvi uns rumores interessantes: outras casas haviam sido assaltadas nas mesmas ocasiões, com os mesmos procedimentos, tudo igualzinho; dizia-se na terra que se desconfiava quem tinha sido, e que a polícia "os" conhecia muito bem, eram presidiários que aproveitaram (em dois anos seguidos) a folgazinha efémera de Natal para fazer mais uns servicinhos.
Há dois anos, em pleno agosto, o meu carro foi furtado à porta de casa. Nunca apareceu. Na mesma esquadra, idem aspas aspas. Com uma agravante: quando me dirigi lá duas semanas depois, para tentar obter informações sobre o paradeiro da viatura, fui recebido com modos, educação e atitude adequadas a quem pensou certamente que eu era o ladrão, e não o lesado; quis saber quem eu era, o que estava ali a fazer e porque fazia aquelas perguntas. A tal senhora da ação de formação policial televisiva disse que "não posso fazer nada" é uma frase proibida? Pois eu, a quem só faltou ser exigida a identificação e, quem sabe, uma confissão onde tinha escondido o carro, tê-la-ia ouvido com simpatia. Mas pronto. As bacanches já tinham terminado, e era hora de regressar ao país real.