este país não é para pretos
Não falo em negros, africanos, afro-portugueses, ou de cor. Este país não é para eles. Não vejo nenhum na praia onde tenho a felicidade de gozar férias. Só branquelas, e alguns bem pálidos. Esta praia não é para eles. É verdade que não os vejo na televisão, que deveria ser para todos; nem apresentadores, nem pivots, nem jornalistas, nem atores; nem em anúncios ou em publicidade. Em boa verdade, nem chinocas, nem ciganos, nem qué frô. Quem olhar para a televisão pensa que Portugal é um país monotonal, sem minorias. Uns e umas loirinhas e de olhos azuis, sim. Pretos, nunca. Só aparecem nas notícias, e sempre pelos piores motivos: assaltos, criminalidade, insegurança, Cova da Moura, 6 de Maio, os estigmas indeléveis que todos conhecemos. Este país não é para eles. Não falo do país do trabalho, a esse pertencem, oh se. O outro. O país das esperanças, do imaginário, dos sonhos, das expectativas, dos horizontes. Esse.
Onde vivem eles? Na Linha de Sintra, por exemplo. Basta viajar no comboio e ver, reparar em certas estações e contar. Metade, pelo menos, contei eu há uns dias. Andam de comboio. Mas a publicidade não é para eles. Alguém repare e veja quantos aparecem nos cartazes com figuras humanas. Eu tomei nota: zero. Comecei por "A vida da Gente", nova novela da Globo. Mais adiante, "Soltrópico, conhece a pérola azul do Mediterrâneo?". Fotos de gente sorridente. Mas sempre de pele clara. Mais profusa é a oferta educativa. Meter os filhos a estudar, trabalhar arduamente para lhes dar educação, um curso, permitir-lhes uma vida melhor. Foi assim que os meus pais pensaram. É assim que eles, e os pais deles, pensam, na Amadora, no Cacém, na Reboleira. Mas este imaginário não lhes é dirigido: Universidade Lusófona (três anúncios differentes), Instituto Superior de Novas Profissões, ISG - Business & Economic School, Escola Superior de Saúde Ribeiro Sanches. Zero. A própria CP publicita os seus produtos nos comboios: "CP - 1 para todos e todos para 1, viagens de grupo a 1 €"; "Viaje com a família com a CP, 50% de desconto"; "Soma e Segue - Descontos para a praia CP". Mais zero. Deduzo que os pretos não estudam, não vão à praia, não têm família e deseja-se que não viajem em grupo. Se o fazem, não foi por alguém os chamar para isso. De caminho, olhando para o exterior, ainda vejo um "Adidas We Are All Benfica" com muitas caras na foto. Todas lixiviadas, como adivinharam? Numa das estações, duas mulheres lavam um placard. O que lá diz, disse e dirá passa-lhes certamente ao lado. Percebem que não lhes é dirigido. Por fim, em plena estação de Queluz, um grande cartaz fala da "Linha Apoio Senior". Mas o casal idoso e feliz da foto é de cor diferente da maior parte da gente que por ali passa. Este país não é para pretos. Sobretudo velhos.