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jugular

fire walk with them

Faz hoje seis anos que tive o fogo à porta de casa. Nada de muito alarmante, se bem que não tenha sido uma experiência agradável. Não me impressionou a dimensão do fogo, mas sim duas coisas: o espetáculo mediático - para não dizer circense - que foi montado por aqui, com carrinhas da RTP e da TVI, presidente da Câmara a fazer declarações in loco, histórias e boatos de que uma quantidade de senhores da política teria casas de veraneio na região e que, portanto, isto nunca arderia, engarrafamentos de carros de bombeiros (até de Setúbal vieram), aviões a lançarem cargas de forma mais ou menos atabalhoada (levei um duche de espuma nesse dia, e estava no topo da minha casa), um festival. A segunda coisa foi a reação das pessoas. Tive a rua cheia de gente (até vi uma que andava com a gaiola com o canário, não sei se para salvar o bicho, se para medir a toxicidade da atmosfera) a dizer idiotices: que tinha ardido "tudo", dali até ali, que o fogo começara além e que já tinha passado Nafarros e que estava incontrolável. Por momentos, não percebi que raio andaria tanto bombeiro a fazer. No dia seguinte, fui ver a área ardida e verifiquei que fora um fogacho, nada que se comparasse a um dos grandes incêndios que, por essa altura, faziam as manchetes e as aberturas dos noticiários.

A mesma história repete-se todos os anos, a mesma angústia televisionada de gente desesperada a ver bens e propriedade em perigo, as mesmas tragédias de vidas perdidas, a mesma sensação de revolta e de impotência. Mas continuo perturbado com a falta de sensatez e de memória. Há dias, alguém disse à minha frente que "antigamente não havia disto"; relembrei, só a título de exemplo, o que aconteceu perto daqui no ano em que nasci e os grandes incêndios da década de 80, um em especial. Nem foi preciso relembrar o que foi o verão de 2003. Na "antena aberta" da Antena 1, um ouvinte disse que noutros países com floresta ("Alemanha, Inglaterra, Finlândia", ouvi eu) isto não acontecia; outro contou que estivera em Marrocos e que lá não há fogos porque cortam uma mão aos incendiários. Uma vez mais, e como noutras questões, o senso comum aposta na repressão impiedosa e na solução penal para o problema, "e não me venham cá falar em tretas de direitos humanos", como ouvi.

Dou comigo a pensar como é que as pessoas acreditam que tudo não passa de um problema judiciário e que não havia pirómanos há 20, 30 e mais anos. Será que o facto de termos um interior desertificado e um mundo rural em declínio acelerado não conta? E, já agora, que continuamos a menosprezar a prevenção e o trabalho a fazer nos restantes 11 meses do ano, que subsiste o problema da coordenação de meios e recursos, e que nem sempre a reflorestação é feita da forma mais correta? E, por fim, que isto se enquadra num âmbito mais geral de ordenamento do território? E não estaria na altura de aceitar que a floresta da orla mediterrânica está sujeita naturalmente à renovação pelo fogo e que o verdadeiro problema é que há casas e pessoas, cada vez mais isoladas, a viver ali no meio? Não sei. Sei, sim, que é uma rotina angustiante ver tantos noticiários a começarem da mesma forma, sempre com imagens idênticas e abordagens sensacionalistas, dramáticas. Que direito tem um jornalista de explorar a aflição de pessoas em pânico? fazer perguntas imbecis a quem está assustado e em risco de perder o que tem? Eu bem que gostaria mais de ter alguém em direto do Cairo, por exemplo, do que de uma aldeia da Beira. E, já agora, alguém explique a quem anda por lá que os Canadair não são "bombardeiros pesados", como ouvi um repórter dizer no outro dia, em horário nobre de um canal nacional.

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