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a morte no bes

joão miranda levanta uma série de questões interessantes sobre a actuação da polícia no caso bes. chama, por exemplo, a atenção para o facto de a actuação dos snippers que 'neutralizaram' (é assim que se diz, certo?) os dois assaltantes ter dependido, em parte, e de acordo com esta notícia do dn, da sorte e de o papel dos negociadores poder ser comprometido em situações futuras. daniel oliveira chama a atenção para o clima de quase euforia de algumas reacções e considera, ao contrário de muita gente, que a operação não foi um êxito porque foi morta uma pessoa e ferida outra com gravidade.

confesso que tenho dificuldade em escrever sobre este caso por falta de elementos, mas do que vi na noite de anteontem na sic, antes de novas imagens do ocorrido estarem disponíveis, ficaram-me algumas perplexidades. uma é mencionada por joão miranda: que estavam os sequestradores a fazer junto à montra do banco, numa posição em que não podiam ignorar ser alvos fáceis? teriam sido convencidos por alguém -- os negociadores, como uma notícia do dn diz -- a fazê-lo? outra é a do rasto de um projéctil que sai do banco -- o terceiro tiro? disparado por quem?

claro que o uso da arma pela polícia numa situação como é esta é text book. ou seja, estão perfeitamente preenchidas as condições necessárias para a sua legitimação: afastar perigo/ameaça de morte para terceiros. pistolas apontadas à cabeça de reféns são necessariamente perigo de morte, independentemente das contas de cabeça que se possam fazer. ao contrário, de resto, do que se passa em muitas situações frequentemente mortais e que não têm merecido a atenção que esta, pelo seu mediatismo, atrai.

dou um exemplo recente, com 2 meses, que se segue a muitos outros: um homem de 24 anos foi baleado mortalmente por um agente da brigada de trânsito do porto, após, segundo a versão do agente e dos colegas, ter, ao volante de um carro, desrespeitado um sinal de stop na zona de gondomar e "tentado atropelar os agentes" (estranhamente, sempre que polícias disparam sobre carros em fuga a um sinal de stop, apresentam esta justificação). os agentes iniciaram uma perseguição automóvel no decorrer da qual foram disparados 4 tiros (4 tiros, note-se bem) contra o veículo em fuga. um atingiu o condutor na cabeça. o agente que disparou alega que não quis atingi-lo: "disparou para o chão e o projéctil fez ricochete" (também é um clássico nestes casos, os projécteis fazem invariavelmente ricochete -- sendo que disparar para o chão é uma inovação muito interessante, sobretudo tendo em conta que o chão não terá tentado atropelar ninguém e que se a ideia era fazer tiros 'de aviso' disparar para o ar costuma ser menos arriscado, para não falar, claro, do pequeno pormenor de terem sido disparados 4 tiros).

nunca haverá demasiado cuidado com o uso da arma pelas polícias portuguesas, que continuam a não apresentar, anualmente, no relatório da segurança interna, a contabilização das situações em que armas de fogo foram utilizadas (utilizar a arma inclui brandi-la ou exibi-la ou qualquer situação em que esta seja retirada do coldre, mas eu contentar-me-ia em saber quantas vezes elas foram disparadas e em quantas dessas vezes esses disparos ocasionaram mortos e feridos, assim como quantos desses disparos foram considerados legítimos pela corporação e pela respectiva inspecção), apesar de esta contabilização ser rotina em vários países da europa há anos.

é possível que nunca se saiba exactamente o que se passou anteontem no bes. mas a ser verdade que um dos assaltantes disparou uma arma, o facto de os dois reféns terem saído ilesos corresponde mais a sorte que a perícia policial. e morrer alguém que na verdade não tinha morto ninguém -- ameaçar, mesmo arma de fogo, não é o mesmo que matar, convém sublinhar -- é sempre, só deve poder ser, motivo de tristeza e consternação. aliás, a reacção, digamos, popular à morte do ladrão/sequestrador brasileiro que até libertou uma refém por se sentir mal e mais dois não sei porquê e do que se sabe não agrediu fisicamente ninguém, pelo que a sua pena nunca poderia ser extraordinariamente elevada, faz-me pensar o que pensariam os mesmos se, por exemplo, a polícia abatesse com o mesmo sangue frio um bom pai de família português daqueles que matam a mulher à pancada à frente dos filhos. também achariam bem, tipo a ver se os outros bons chefes de família deixam de espancar as mulheres? ou o exemplo só colhe quando aplicável a estrangeiros assaltantes de bancos, essa raça a que os bons chefes de família não pertencem?

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