A nova Lei Sócrates só peca por ter vindo tarde
Face à última decisão de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal Constitucional, desta feita em fiscalização preventiva sobre o diploma destinado a permitir a "requalificação" dos funcionários públicos (Ac. 474/2013), alguns comentadores pró-Governo começaram a denominar a Lei 12-A/2008, como a Lei Sócrates, na tentativa de sacudir a água do capote e transferir a culpa para o vilão do costume.
A coisa pareceria fácil: o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional a alteração que o Governo pretendia fazer à Lei 12-A/2008 (relativa à aproximação da função pública ao regime privado), no sentido de poder estender as causas de despedimento objectivo na função pública, que existem desde 2008, aos trabalhadores que já trabalhavam para o Estado antes dessa data e, portanto, não podiam contar com essas causas de despedimento.
Os defensores do Governo apressaram-se a dizer que este apenas queria corrigir um abuso de 2008, quando se passou a esmagadora maioria dos funcionários públicos para contrato de trabalho em funções públicas, mas mantendo o regime de despedimento antigo (sem causas objectivas). Algo que, estando na lei, o TC já considerou que mesmo que não estivesse sempre teria que acontecer por força do princípio da confiança. Ou seja, pretende-se convocar o nome de Sócrates para, em bom rigor, recordar que a inconstitucionalidade agora declarada pelo TC resulta de se tentar apagar uma norma que em 2008 visava dar cumprimento a um princípio constitucional: exactamente aquele com que o Governo se dá mal, o princípio da confiança.
Mas o mais irónico é que, com tudo isto, esquecemos o mais importante: foi justamente a partir de 2008 que se intensificou o movimento de convergência entre regimes laborais públicos e privados, ao ponto de se poder dizer que desde então despedir no Estado ou no privado conta com as mesmas regras. Salvaguardados do despedimento objectivo estão apenas aqueles que estavam com vínculo estável no Estado antes de 2008. A isso chama-se ser digno de confiança. Veio tarde, só em 2008, esta convergência? Sim, creio que sim. Mas devemo-lo a uma lei Sócrates, lá isso está bem visto. Suprema das ironias.

