equidade is just another word for propaganda
A ver se nos entendemos: ser de esquerda não significa decerto considerar que tudo o que se intitula de 'direito adquirido' deve ser considerado sagrado e imutável. há direitos adquiridos ridículos, injustos e que configuram um privilégio sem qualquer justificação, onerando muitos para benefício inexplicável de poucos. há erros nas decisões de legisladores, há 'esquecimentos', há até incompatibilidades com a lei fundamental entre isso a que se dá o nome de direitos adquiridos. não alinho, pois, com o coro de escandalizados automáticos perante a ideia de se fazerem ajustamentos nas pensões de sobrevivência.
adquirido isto (creio) e a necessidade de reforma numa série de mecanismos de apoios sociais e de estatutos profissionais, necessidade essa que não nasceu da intervenção da troika e que foi até reconhecida por governos anteriores -- caso dos dois governos sócrates, o primeiro dos quais foi um dos mais reformistas da democracia, se não o mais reformista, e se esforçou por sanar várias iniquidadades existentes quer nos estatutos profissionais quer na panóplia dos apoios sociais (e com que reacção adversa dos partidos que agora ocupam o poder nunca é de mais recordar) -- deve ser óbvio que todas as intervenções na área dos apoios sociais devem ter como critérios essenciais não só a equidade como a proporcionalidade.
ora se se calhar a maioria de nós não pode estar em princípio contra condição de recursos (mesmo se isso implica uma actuação retrospectiva -- o tribunal constitucional julgará se é aceitável ou se viola intoleravelmente o princípio da confiança) no caso da atribuição de uma segunda pensão a alguém que já aufere uma, anunciar esta medida dizendo que vai permitir 'poupar 100 milhões' sem esclarecer qual o quantitativo que se considera 'bastante' para o agregado ou pessoa que vai sofrer o corte é simplesmente intolerável. é intolerável porque é mentira -- claro que se o governo sabe quanto vai poupar tem de saber a quem e em que condições vai cortar -- e porque expõe, de forma infantil, o objectivo que preside à intervenção. não se trata, como pedro mota soares pretende, de introduzir justiça e equidade no sistema, mas de ir buscar dinheiro onde o governo vê mais fácil ir buscá-lo.
e uma coisa sabemos: atendendo aos quantitativos médios das pensões de sobrevivência, para ir buscar 100 milhões (valor avançado para a 'poupança') será preciso cortar em quem recebe pouco. e há algo que não está de todo explicado nem tenho visto questionado: se se diz que se vai cortar em pensões de sobrevivência a partir de 600 euros, significa isso que o que se vai ter em conta é o valor da pensão de sobrevivência e não o valor do que a pessoa (ou agregado) recebe? mas que sentido faz isso? imagine-se que alguém tem uma pensão própria de 1500 euros e recebe do cônjuge desaparecido uma pensão de 280 euros. significa a lógica do que foi propalado que essa pessoa não terá corte, enquanto outra que recebe uma pensão própria de 500 e outra de 650 terá? façamos as contas: a primeira recebe 1780 euros; a segunda 1150. a equidade fica onde? deve ficar no mesmo sítio onde ficou quando este governo cortou no complemento solidário para idosos, que tem condição de recursos e existe para auxiliar os idosos que passam reais dificuldades, e se ufanou de aumentar as pensões mínimas, atribuídas sem condição de recursos e em relação às quais há estudos que garantem aplicarem-se a um universo em que só 31% são pobres.
aliás, se de equidade se tratasse, o valor 'poupado' nas pensões de sobrevivência deveria ser aplicado noutros apoios sociais em que haja carência de fundos (era só escolher, mas o beneficiário evidente seria o complemento solidário para idosos).
para este governo, a equidade é apenas, como a justiça social ou a 'sustentabilidade do sistema', uma expressão de propaganda, que em privado deve engasgar de riso os ministros e secretários de estado. uma risota permitida pelo desconhecimento da maioria dos portugueses, e dos jornalistas em particular, em relação ao sistema de segurança social, pela resignação já patológica com que são acolhidos os desmandos governativos sucessivos e pela lamentável facilidade (nascida do ressentimento social) com que as pessoas se deixam instrumentalizar umas contra as outras.
em vez de reformar o sistema, o governo passos tenciona destruí-lo. já era altura de se reagir a isso com racionalidade, e, em vez de vermos a oposição, à maneira da cgtp, gritar contra todas as medidas do mesmo modo, ouvi-la explicar como é que uma medida destas seria efectivamente de justiça social e de sustentabilidade, se fosse esse o objectivo.
(não vou sequer perder tempo com as cada vez mais tacanhas aldrabices e desvergonha de paulo portas. desde o episódio da demissão que não espero de semelhante criatura nada a não ser que me faça sentir vergonha alheia.)

