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Elefante na sala

1. No Documento de Estratégia Orçamental 2013-17 apresentado em Maio, o Governo definiu a trajetória que prevê até 2037 a redução da dívida para os 60% do PIB. Os pressupostos podem não ser totalmente irrealistas se vistos em separado (excedente primário de 3,5% do PIB a partir de 2017; taxa de juro nominal de 4,3%; crescimento nominal anual de 3,5%), mas a sua combinação ao longo de 20 anos retira toda a credibilidade à estratégia. Sobretudo, esta ignora as forças que (salvo uma improvável revolução na Zona Euro) continuarão a dificultar o nosso ajustamento: o ambiente deflacionário numa Europa transformada num monstro neo-mercantilista; a ausência de instrumentos de política económica para ultrapassar os atrasos estruturais; ou uma moeda demasiado forte para o tecido exportador.


2. Mais importante do que a aritmética da sustentabilidade é a sua dimensão politica. Como a reestruturação da dívida grega em 2012 mostrou, uma dívida é sustentável até o lado credor decidir quando ela deixa de o ser: só quando o Norte da Europa estimou que um ‘haircut' da dívida produzia estragos inferiores aos que um ‘default' inicial provocaria no seu setor financeiro é que aceitou perdas para os seus bancos. No limite, uma dívida será "sustentável" enquanto o credor puder manipular o timing da solução e o devedor aceitar impôr ao seu povo os sacrifícios que julgar necessários para a pagar.


3. Talvez seja uma questão de tempo até que a pergunta "como reestruturar a dívida?" mobilize todos os partidos. Resta saber qual o nível da devastação socioeconómica até lá; qual o consenso mínimo comum (basta adiar ou reduzir os juros? amputa-se capital? como distribuir as perdas entre bancos e credores oficiais?); qual a estratégia negocial (esperar pela simpatia do credor? tentar uma coligação de periféricos? ameaçar sozinhos o ‘default'?); e como avaliar as consequências: seria aceitável trocar uma redução da dívida por uma perda punitiva de soberania? Talvez fique então à vista o trilema com que Portugal pode vir a confrontar-se: entre desenvolvimento económico, níveis mínimos de autonomia democrática e pertença à zona euro, poderemos ter dois destes elementos, mas não os três. Resta saber de qual abdicamos.

 

(publicado hoje no 'Diário Económico')

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