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step by step

Diz-se que o imperador romano Sétimo Severo terá dado o seguinte conselho aos filhos, no seu leito de morte: "enriqueçam a soldadesca e marimbem-se no resto". A adaptação ao Portugal de 2013, pós-21 de novembro, poderia ser a seguinte: "não brinquem com a bófia". Um aviso que, como em quase tudo o resto, este governo invulgarmente perspicaz só parece ter percebido tarde demais e da forma desastrada que se conhece, com um ministro a fazer um comunicado mais de 24 horas depois dos eventos, e a anunciar aquela trapalhada que se sabe: exigiu demissões, o diretor da PSP fez-lhe a vontade e ele nomeou para o lugar o comandante da Unidade Especial de Polícia, aquela mesmo que costuma formar o cordão de segurança nas manifestações na AR mas que, desta vez - e sabe-se lá porquê - não o fez. Portanto, na manifestação de anteontem, a segurança era composta por "polícias de esquadra". Colegas dos manifestantes, portanto.

Estes, os manifestantes, não eram perigosos subversivos que exigissem segurança reforçada e bastonada em barda, como ocorre com Indignados, Que se Lixe a Troika e outras organizações sinistras, "profissionais da agitação" como Miguel Macedo os classificou em anteriores eventos. Não, estes são apenas agentes, cidadãos, gente como nós com contas para pagar, pais (e mães) de família com dificuldades e preocupações legítimas em relação ao seu futuro e à sua carreira. A "invasão da escadaria" foi um incidente grave? Depende do ponto de vista. O governo não diz que sim nem que não. O Primeiro Ministro, com aquela sapiência que lhe é peculiar, disse que "não é um bom indicador da própria autoridade das forças de segurança", o que é seguramente tranquilizador para toda a gente. Não diz o que é, diz o que não é.

E a PSP? Tudo calmo, que o povo é sereno: foi uma estratégia "inteligente", aquela de deixar os manifestantes dar um passo ameaçador em direção à sede do poder democrático. Afinal, "havia manifestantes armados" e a coisa podia ter dado para o torto se alguém os tentasse impedir, podia ter ocorrido um "banho de sangue". Ontem ouvi aquele senhor do Observatório da Segurança, ou lá o que é, dizer mais ou menos o mesmo. Extraordinário. Eu digo que sim, que foi gravíssimo: dois pesos e duas medidas, claro como água. E que estes tontos que nos governam estão a criar roturas insanáveis e a arrastar tudo para o fundo.

Agora podem tirar as conclusões que quiserem, fazer balanços, mudar chefias, refletir sobre aquele momento onde podia ter havido sarilho à séria. Eu fiquei com a certeza de que há manifs de primeira e manifs de segunda, protestos que são para ignorar - ou cascar, consoante mostram ou não respeitinho - e protestos que são para ouvir. Velhos, desempregados, sem-abrigo, classe média empobrecida, jovens sem esperança são mais incómodos que perigosos, fazem comichão mas não mordem; polícias são outra história. E eles sabem-no bem. Um deles, manifestante, até se dignou provar a um jornalista que estava ali mas podia estar do outro lado, ao sacar-lhe a câmara ou o telemóvel, ou lá o que foi.

Posto tudo isto, o cidadão que sente que Portugal está bloqueado entre um sentimento generalizado mas surdo de descontentamento e um governo cercado mas protegido pelas regras da democracia e pelo Presidente da República hesita em classificar os incidentes de quinta feira, em mostrar empatia pela polícia em protesto ou temer o caráter excecional que este tomou. Eu digo o que penso: foi mau e vai piorar.

Duas coisas podem acontecer. A primeira é o governo recuar, e já. "Não se brinca com a bófia". Mas recuando, vai acentuar o sentido de injustiça dominante, porque a fatura vai cair em cima de outros, inevitavelmente os do costume: classe média, funcionários públicos, reformados. Vão todos engrossar as próximas manifs, e nessas os cordões de segurança já poderão funcionar como de costume contra as "invasões de escadaria". A segunda é ficar tudo como está. Sabendo que já não podem contar com uma lealdade policial incontestável, os imbecis governamentais irão acocorar-se atrás de uma guarda pretoriana e arriscam-se a ter que chamar a tropa dos quartéis. E numa altura em que já se ouvem rumores de que também os militares poderão vir para a rua, o prognóstico é mais do que incerto. Espertos como são (e com largas provas nesse sentido), seguirão provavelmente uma inteligente estratégia mista de "fazer sinal à esquerda e virar à direita", a somar à já anunciada mudança de chefias. Não tardará muito, quem sabe, a serem chamadas a S. Bento. O que, da última vez de que me lembro ter ocorrido, não foi exatamente um sucesso.

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