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as famílias dos bispos

Que situações críticas da família no mundo contemporâneo podem tornar-se um obstáculo ao encontro da pessoa com Cristo?" Não se assuste, a pergunta não é minha: faz parte do questionário para o Sínodo da Família, iniciativa do Papa vertida, pelos bispos portugueses, em 57 questões passíveis de resposta online. A maioria com opções para cruzinha, como nesta: "Aborto"; "redução do cristianismo a um sentimentalismo, a um moralismo, a uma ideologia"; "cuidar de idosos ou doentes"; "divórcio ou separação"; "doença"; "individualismo"; "infertilidade"; "monoparentalidade"; "sexualidade desordenada"; "situação económica"; "uniões de facto"; "uniões entre pessoas do mesmo sexo"; "outro (especifique)".

 

Então o Papa acha que a sua Igreja tem andado muito obcecada com aborto e homossexualidade e ali está o aborto em "primeiros" mais a "união das pessoas do mesmo sexo" como empecilhos a estar com Cristo? Calma: esta é a versão que os bispos de cá deram à coisa. No original, que nem menciona o aborto, esta questão tem resposta "aberta" (adotada noutros países). Por cá, porém, faz-se mais do que condicionar respostas: mudam-se e complicam-se as perguntas. O original fala de "situações críticas na família", ou seja, dentro. O "da" permite misturar, nas hipóteses sugeridas, o conceito social e legal de família e seu afastamento do ideal católico - as tais "obsessões" - com problemas no seu seio.

 

Mas olhemos melhor as respostas. Se nos problemas "dentro" faz sentido incluir doença e infertilidade (por acaso uma doença), "situação económica" e "individualismo", como compreender que não haja rasto da violência doméstica, e, citando a conferência episcopal num documento recente, da "forte sujeição [da mulher] ao homem", sua "opressão" e "menorização social e cultural"? Bem sabemos que para a CEP estas situações estão "graças a Deus a ser progressivamente ultrapassadas" (ainda bem que a divindade acordou para o problema), mas será que os bispos não se lembraram que levar pancada no casamento ou morrer de morte matada pode obstar ao encontro com Cristo? Ou estão numa de humor negro?

 

Por outro lado, se estamos a falar da "família católica" - e essa só há uma, a hetero unida pelo sacramento do matrimónio e mais nenhuma - que fazem ali, como suas "situações críticas", "sexualidade desordenada", "monoparentalidade", mais o "divórcio ou separação"? Aí já não há, ou nunca houve, "família", não é verdade? A não ser que, em revolução inconsciente, a CEP esteja a admitir que há "famílias", plural, e não só "família", singular. O que explica a questão, na senda do inquérito original (o quanto terá custado aos nossos bispos fazê-la) sobre a forma de agir, "em vista da transmissão da fé", quando há "uniões do mesmo sexo que têm crianças a seu cargo". Para quem propõe um referendo sobre coadoção (que não é mais do que o reconhecimento legal da existência, e proteção, de crianças nessas relações), a pergunta há de ser blasfémia.

 

(publicado sexta passada no dn)

 

NOTA: ao contrário do que acreditava quando escrevi este texto (daí as frases rasuradas), a versão portuguesa do questionário a que acedi e que descrevo não é nacional mas do patriarcado de lisboa. de acordo com o que me foi explicado, as outras dioceeses usaram o questionário tal como chegou de roma.

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