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PISA: os resultados são melhores do que a primeira análise mostra

Saíram os resultados do PISA2012. Não vale a pena fazer aqui o resumo dos dados mais importantes, que podem ser encontrados na imprensa ou na página da OCDE. Uma análise mais fina deve destacar:

 

1. Há 3 anos, foram inúmeras as vozes que levantaram dúvidas sobre a validade dos resultados de Portugal no PISA2009. A subida no desempenho seria, aparentemente, um “caso raríssimo entre países desenvolvidos” (como escrevia em setembro de 2011 o Alexandre Homem Cristo; a discussão original pode ser recuperada aqui); noutros comentários menos sérios cuja fonte me escuso de identificar, os dados seriam resultado de um enviezamento propositado da amostra (ou seja, "fabricados"), etc. etc.. Resumindo, a melhoria era boa demais para ser verdade e era preciso encontrar todas as formas para a desvalorizar.

Os resultados hoje divulgados representam a estabilização dos resultados de há 3 anos atrás, enquanto a media da OCDE continua a descer. Estes já "valem"? Ou são "falaciosos" de novo? O que vão invocar desta vez?

O Governo, pela sua parte, está a procurar desvalorizar ao máximo o desempenho do país, cuja trajetória de melhorias consistentes desde 2000 é alvo de elogio explícito pela OCDE. Claro que uma das explicações é esta. Quando a realidade destrói a nossa "teoria", o melhor é mesmo ignorar a primeira. 

 

2. Os dados a que normalmente é atribuída toda a importância mediática dizem respeito às médias nacionais. Mas a OCDE faz um conjunto de exercícios muito interessantes que procuram ajustar esses resultados à acção de variáveis que se sabe serem (mais ou menos) importantes para a explicação de diferença de pontuação entre os alunos dos diferentes países.

Parece que a direita, a propósito da Suécia, descobriu que as variáveis demográficas e socioeconómicas são importantes para explicar os resultados. Sobre o caso sueco, guardo algumas notas mais sumarentas para o post seguinte (mas como a própria OCDE mostra, se o argumento é a imigração, vão ter que se esforçar um pouco mais).

Neste capítulo, a OCDE constrói um Índice de Estatuto Económico, Social e Cultural (IEESC) - a partir de outros índices* -, no qual Portugal está particularmente mal colocado: 39,8% dos estudantes está abaixo do nível -1 do índice (a média da OCDE assume valor 0), quando a percentagem média dos alunos na OCDE em condições socioeconómicas comparáveis é de 15,4%. Na Suécia, por exemplo, apenas 5,7% dos alunos estão neste nível. 

 

Ora, como a condição socioeconómica é uma variável explicativa essencial do desempenho dos alunos (e países), quando os resultados são ajustados ao IEESC, os alunos portugueses passam, no domínio da matemática (o IEESC só é aplicado este ano aos resultados da matemática), do 23.º para o 5.º lugar da classificação. Já a Suécia reforça o resultado medíocre que obteve na média geral (não ajustada), afundando-se na cauda da OCDE (todos estes valores podem ser encontrados neste ficheiro excel). 

Em 2009, embora nenhuma imprensa tivesse dado atenção, este efeito já era claríssimo (quando eram 'apenas' 33,5% dos alunos abaixo do nível -1 do IEESC). No domínio da leitura – o principal no relatório desse ano - os alunos portugueses passavam, quando o resultado era ajustado pelo IEESC, do 21.º para o 7.º lugar da classificação (resultados neste ficheiro excel).

 

Este tipo de análise é importante não apenas porque a imprensa normalmente não lhe dá o destaque que merece, mas também porque ela é sistematicamente sonegada pelas análises que, a partir da economia da educação, servem para concluir que o sistema português é particularmente ineficiente - uma vez que a única coisa para a qual olham é a relação entre despesa (pública) em educação e resultados. Por isso foi possível ao FMI, no relatório de janeiro passado, afirmar que há vários estudos que mostram a ineficiência do sistema educativo português: 

“There are many such studies, most of which look at specific sectors. For example, for education spending, Mandl, Dierx, and Ilzkovitz, find that “Finland, Austria and Portugal spend roughly the same share of GDP on education, but the performance in PISA is very different.” Similarly, Afonso and St. Aubyn show that, of the 17 countries in their sample and by some measures of efficiency (output efficiency) “Portugal is the least efficient country. Resources employed by the Portuguese in the education sector yield a PISA result 15.6 percent lower than the one under efficient conditions.” (p.11-12 do relatório do FMI)

Claro que a consideração “under efficient conditions” só é possível se abstrairmos a análise de todo um conjunto de variáveis que qualquer pessoa sabe serem essenciais para avaliar a capacidade um sistema ensinar com eficácia e eficiência - em particular a proximidade dos alunos em relação à cultura escolar, que depende fortemente do nível de escolaridade dos pais e, num sentido mais lado, das condições socioeconómicas da família (já tinha chamado a atenção para a enorme fragilidade da argumentação do FMI aqui).

Quando começamos a introduzir estas variáveis, vemos que o sistema português não só não se comporta pior do que muitos outros por esse mundo fora, como revela indiretamente a tremenda ineficiência de muitos países mais ricos e escolarizados que foram tornados, nos últimos anos, em “modelo”. 

 

*The PISA index of economic, social and cultural status (ESCS) was derived from the following three indices: highest occupational status of parents (HISEI), highest education level of parents in years of education according to ISCED (PARED), and home possessions (HOMEPOS). The index of home possessions (HOMEPOS) comprises all items on the indices of WEALTH, CULTPOSS and HEDRES, as well as books in the home recoded into a four-level categorical variable (0-10 books, 11-25 or 26-100 books, 101-200 or 201-500 books, more than 500 books).  (p.263)

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