A importância da Política: a inconstitucionalidade da convergência retrospectiva de pensões
Vivemos tempos em que é difícil convencer as pessoas da importância da política. Quer do conhecimento político, que permita tomar as melhores decisões, quer do envolvimento político, que permita contribuir para a sua execução.
O sistema representativo, com a necessária separação entre representados e representantes, tornou a democracia paradoxal: por um lado é menos exigente com a participação política, mas, por outro, é muito mais exigente com o conhecimento político (único modo de se poder fazer um escrutínio correcto das opções que nos são apresentadas e das que não nos são apresentadas).
Mas a importância da Política não diminuiu devido a este paradoxo democrático. Pelo contrário. As decisões políticas são hoje muito mais dramáticas do que alguma vez foram e reclamam, por isso, muito mais atenção do que a generalidade das pessoas lhes dedica. Somos mais, as técnicas de decisão política mais complexas, os instrumentos jurídico-financeiros capazes de onerar gerações inteiras. Não podemos cruzar os braços.
As batalhas políticas travam-se não apenas pelo presente, mas pelo futuro. E arrisco dizer que a maioria dos cidadãos eleitores não tem consciência disto, por mais evidente que seja. O recente acórdão do TC que pronuncia a inconstitucionalidade da convergência retrospectiva (muda-se o passado para afectar o futuro) das pensões é disso exemplo.
O que está afinal em discussão do ponto de vista político e onde entra o Direito (Constitucional)?
O problema, no caso, é claramente geracional e resulta de opções político-legislativas com décadas, iniciadas ainda no Estado Novo. Criaram-se dois sistemas de pensões distintos para funcionários públicos e funcionários do sector privado. As pensões dos primeiros são, em muitos casos, comparativamente mais elevadas do que as do sector privado. Isto resulta quer dos valores descontados, quer da fórmula de cálculo das pensões, quer de determinações legais não-contributivas.
Durante décadas em que sucessivas decisões políticas foram tomadas, não apenas para manter esta distinção, mas, muitas vezes, para aumentá-la, nunca triunfou o entendimento de que se devia acabar com a distinção e fazer a convergência. Esse entendimento, aliás, só viria a prevalecer, tardiamente, em 2008, pela mão de José Sócrates. Isto significa que durante décadas muitas pessoas legitimamente trabalharam com a convicção de que, uma vez terminada a sua carreira contributiva (boa ou má de uma perspectiva política), teriam direito à pensão calculada de acordo com as regras definidas durante esse período - sublinho - de décadas.
Foram, pois, décadas perdidas de batalhas políticas que nunca tiveram lugar, quanto mais terem sido perdidas, pela fim da distinção entre sistemas de pensões e pelo início da convergência. E tudo porque não se pensou nas consequências. Ou simplesmente porque se deitaram as consequências para as costas das gerações seguintes. É por isso verdade que para conseguir continuar a pagar as pensões dos que a elas ganharam direito é necessário o contributo das gerações futuras. E é também verdade que a Constituição protege esta situação e impede que, sem mais - isto é, sem um exigentíssimo ónus de prova de que mais nenhuma solução existe - se penalize as gerações mais antigas em favor das gerações mais recentes. Bem ou mal este princípio é um princípio civilizacional da cultura jurídica europeia. Ele é a tradução jurídica de uma ideia cara à social democracia: a da solidariedade. Mas é também a tradução de uma ideia do senso comum: os mais velhos são normalmente mais penalizados no que toca a alteração de circunstâncias. Claro que tudo isto pode estar errado, mas é juridiciamente o resultado de uma sedimentação civilizacional que aponta decisivamente para a importância da política.
As decisões que tomamos hoje e as decisões que deixamos que outros tomem por nós contra os nossos interesses podem, mais tarde, ser difíceis de inverter. E até mesmo muito injustas caso a inversão fosse possível. E, por isso, esteve bem o Tribunal Constitucional.
"Decisions are made by those who show up".
Muitos políticos, ao longo dos anos, por boas e más razões, apareceram em defesa de um sistema de pensões específico para os funcionários públicos. E muita gente que era (e devia ser) contra, simplesmente não apareceu.

