romantius, lirismus, generosius
uma vez por outra, concordo com o que dizem umas pessoas inesperadas. é o caso deste texto de jacinto bettencourt. ele exagera um bocado, mas eu percebo-o e simpatizo. é que já não há cu para tanta idiotice. só uma observação que o jb não fez -- que eu tenha dado por isso -- e que não dei conta de alguém ter feito (mas a verdade é que ultimamente tenho lido pouco os blogues e os jornais): há uns anos, ninguém esperava que portugal ganhasse medalhas. tudo o que vinha era inesperado e milagroso. havia assim uns fenómenos -- rosa mota, carlos lopes, o fernando não sei quê que desistia apesar de favorito, os irmãos não sei quantos. agora mandamos uma data de gente (como se fosse óbvio e simples chegar aos jogos olímpicos) e há quem ache que temos de ter não sei quantas medalhas e que se não temos é um escândalo e os atletas são uma cambada de ronhas inúteis. isto, para além de se dever a algumas das coisas que o jb enumera, deve querer dizer que a auto-estima do país está num bom momento. atrevemo-nos a achar que podemos. e até que devemos. e a reclamar quando não conseguimos. claro que no meio disto tudo há algo que o maradona já disse que o filipe moura disse e que eu subscrevo: ver os jogos olímpicos como uma competição entre países é uma idiotice. de criança se aprende o arrepio de um salto perfeito, de um sprint final, do improvável equilíbrio na trave, da vertigem das paralelas assimétricas. só corpos e rostos e vontade, sem bandeiras. mas claro que quando eu era criança não havia ou quase não havia portugueses nos jogos. agora há -- e qualquer coisa, não sei bem o quê, muda quando o nelson évora ganha o ouro, ou quando nos 3 mil metros barreiras a jessica augusto perde a qualificação para a final por um triz, porque caiu mal na última vala. ficamos contentes quando um atleta português ganha, tristes quando perde. é normal e humano e essas coisas todas. mas não muda o essencial, e o essencial é que os jogos olímpicos têm qualquer coisa que sobreleva isso. a superação implícita no citius, altius, fortius é também a superação dessa mesquinhez tribal, dessa contabilidade da qual me dei conta este ano pela primeira vez (se calhar andei toda a vida distraída), a do número de medalhas com ranking de países, própria de ditaduras de terceiro mundo. os jogos olímpicos representam um ideal de romantismo e generosidade. um ideal lírico, é certo, no tempo do doping e dos contratos publicitários, mas mesmo assim um ideal. até uma cínica como eu vê e sente isso.