a família socialista
Paulo Pedroso, prestes a regressar ao Parlamento, deu uma entrevista à TSF. Ao contrário do que seria de esperar, não é uma entrevista de circunstância, compungida, contida, discreta. É a entrevista de alguém que quer reassumir o seu lugar - recorde-se que Pedroso era, enquanto Ferro Rodrigues foi secretário-geral do PS, do núcleo duro da direcção - e demonstrar que a suspeição que sobre ele pendeu durante anos e que, agora sob a forma de insinuação e de insulto, subsiste ainda em tantas cabeças (basta ler a blogosfera ou os comentários das páginas Net dos jornais) não o condiciona. É por isso uma entrevista corajosa, talvez temerária. Foi já até qualificada - pelo comentador político Mário Bettencourt Resendes - como "um erro político" e parece ter agradado pouco à sensibilidade dirigente do PS que, pelas vozes de José Lello e de Vitalino Canas, dela se demarcou.O "erro político" a que Bettencourt Resendes se refere explicitamente é o da referência de Pedroso à eventualidade de um bloco central. Outras suas posições terão suscitado menos interesse, nomeadamente o facto de criticar no seu partido o que considera ser "a timidez perante o conservadorismo e a reverência perante a Igreja Católica" e de afirmar a sua perplexidade face a uma lei de procriação assistida (PMA) que recusa às mulheres sós o acesso às técnicas (mesmo pagando do seu bolso, em clínicas privadas) e face à inexistência de uma proposta legislativa que possibilite o casamento entre pessoas do mesmo sexo. "Não percebo porquê", diz Pedroso.
De facto, não é fácil perceber. Quando há um par de meses Manuela Ferreira Leite afirmou numa entrevista à TVI que o casamento visa a procriação, baseando nisso a sua recusa do casamento das pessoas do mesmo sexo, o líder parlamentar do PS, Alberto Martins, certificou, com escândalo e mofa, não ser essa a concepção dos socialistas. Esqueceu-se porém de clarificar qual é, ao certo, a concepção de casamento e de família dos socialistas. Os mesmos socialistas que recusaram, na lei da PMA, permitir a uma mulher "sem homem" o recurso à inseminação artificial mas que defendem para a mulher o direito de abortar por sua vontade até às 10 semanas, os mesmos socialistas que recusam uma concepção "anacrónica do casamento" na nova lei do divórcio (e desafiam nisso o Presidente da República) mas andam há anos a driblar o assunto do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Por mais que se repita que estas questões "não são prioritárias" (e ainda alguém há-de explicar porquê) seria conveniente vislumbrar alguma coerência naquilo que sobre elas pensam. Sobretudo quando aqui ao lado um primeiro-ministro socialista em segundo mandato anuncia são só uma alteração à lei do aborto como uma lei que permita o suicídio assistido - e isto quando a recessão económica em Espanha acaba de ser declarada. Afinal, os assuntos ditos "não prioritários" - que têm a ver com a liberdade individual nas opções mais íntimas da vida e incluem as tais "concepções de família" -, e as opções políticas que sobre eles se fazem desempenham um papel cada vez menos irrelevante na definição do que afinal é a família socialista - quem lhe pertence, o que quer, para onde vai.
(publicado hoje no dn)

