da ignorância voluntária
nos semanários deste fim de semana, josé antónio saraiva e joão carlos espada publicaram textos sobre a questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo. como seria de esperar, são dois textos em que a mais extraordinária ignorância terça armas com a mais prodigiosa má fé. não surpreendem, decerto, atento o palmarés de dislates dos dois obstinados escribas, nem se vislumbra hipótese de qualquer refutação os poder esclarecer -- claramente não desejam ser resgatados do obscurantismo. em todo o caso, porque há quem os leia (até eu, de vez em quando, sabe-se lá porquê -- talvez para depois escrever um post), é conveniente lembrar uma ou duas coisas. espada tenta, coitado, alinhavar uns parágrafos sobre os incríveis malefícios que sobreviriam caso o casamento das pessoas do mesmo sexo fosse aprovado -- a cantilena do costume, que se vai ouvindo de isildas pegados e quejandos, tipo 'ai que as pessoas 'normais' depois deixam de se querer casar porque o casamento perdeu o valor todo (conspurcado pelos homossexuais, esses porcalhões) e se calhar vão transferir-se em magotes para os casamentos religiosos', para terminar no papão da adopção, 'que é, está-se mesmo a ver, onde este pavor todo vai terminar, e não podemos fazer experiências com crianças'. o pobre josé antónio saraiva esforça-se por lavar a honra de manuela ferreira leite e da sua maravilhosa declaração sobre o propósito do casamento, certificando que de facto não só a maioria das pessoas se casa para ter filhos como isso não deve ser matéria de chalaça porque temos muita necessidade de crianças. pelo meio, diz qualquer coisa como 'as pessoas falam da liberal inglaterra e de como lá os homossexuais se podem casar, mas a verdade é que na inglaterra os homossexuais não se podem casar, criou-se um contrato específico para eles'. juro que não estou a inventar, apesar de não ter paciência para me pôr para aqui a copiar aquelas palermices (não estão na net, azar). o que mais me diverte nestas e noutras 'opiniões' sobre este assunto é o facto de, para combater esse terrível mal que é o casamento entre pessoas do mesmo sexo, estas almas anunciarem todas os apocalipses possíveis e imaginários, com um único e estrito cuidado: ignorar que quer o casamento quer a adopção existem há anos em vários países, e nada do que prenunciam (incluindo uma intervenção divina do género sodoma e gomorra) sucedeu. na 'liberal inglaterra', por exemplo, que jas cita e sem a qual jce pereceria, existe adopção por casais do mesmo sexo. como em outros 6 países da europa (além do canadá, vários estados dos eua, e áfrica do sul). e o casamento, mesmo casamento, existe em 4 países da europa (além dos outros já citados). claro que era um bocado difícil anunciar apocalipses juntando esta informação, de modo que estes dois senhores, como tantos outros como eles, fingem que isto do casamento das pessoas do mesmo sexo é uma invenção do bloco de esquerda. talvez acreditem nisso, sabe-se lá. em adenda, dois textos de alexandra carreira, correspondente do dn em bruxelas, sobre a situação na europa, publicados no sábado:
O dia do casamento cada vez mais próximo? Da Holanda, onde o casamento e a adopção por parte de casais do mesmo sexo são legais desde 2001, a Chipre, onde 75% da população ainda acredita que a homossexualidade é uma doença curável, a realidade europeia não podia ser mais díspar. A maioria dos 27 Estados membros da UE, porém, encontra-se já do lado da aceitação do fenómeno. Em 11 países, contudo, a existência de casais homossexuais é assunto que não está coberto pelas leis. Portugal está no limbo, com a Áustria, tendo reconhecido em 2001 as uniões de facto do mesmo sexo. Um passo atrás de 12 Estados membros, como a França, o Reino Unido, a Islândia ou a Dinamarca, que consagram hoje as uniões civis registadas (e, no caso do Reino Unido e da Islândia, a adopção), um regime que geralmente consagra direitos equiparados ao do casamento civil. Anos-luz à frente estão a Holanda, a Bélgica, Espanha e, de fora da família comunitária, a Noruega, que acaba de aprovar a nova lei do casamento. Vanguardistas a que se juntam, fora da Europa, o Canadá (2005), os estados do Massachusetts (2004) e da Califórnia (2008), nos EUA, e a África do Sul (2006). Os três últimos por via de decisões de tribunais com base na Constituição; o Canadá, por uma alteração legislativa proposta pelo Governo do liberal Paul Martin, após várias decisões de tribunais permitirem, desde 2003, o casamento de cerca de 3000 casais do mesmo sexo. São 15 os países europeus onde as uniões entre pessoas do mesmo sexo não são reconhecidas. Destes, nove são membros da UE, incluindo a Grécia e a Irlanda. Com uma fatia muito considerável de países do Leste de olhos vendados para a homossexualidade, hoje, a população da UE pós-alargamento é, de acordo com as sondagens, maioritariamente contra o casamento gay e a adopção por parte de casais homossexuais. Os checos são os únicos no Leste favoráveis ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, 52%. Apesar de fraco apoio popular, também a Hungria e a Eslovénia consagram hoje na sua legislação o regime das uniões civis. Adopção por casais do mesmo sexo é mais comum na UE que o casamento O direito à adopção de crianças por parte de casais homossexuais chegou primeiro do que o direito ao casamento em alguns países da Europa. São sete aqueles em que um casal homossexual se pode candidatar à adopção. Destes, quatro não consagram ainda a legislação do casamento do mesmo sexo: Suécia, Reino Unido, Noruega ( a nova lei do casamento só entra em vigor em 2009) e Islândia. Depois de conduzir durante 18 meses um estudo multidisciplinar que acabou por provar que os casais homossexuais têm as mesmas capacidades para serem pais que os heterossexuais, o Governo sueco estendeu, em 2002, o direito à adopção aos casais gay. Depois, em 2005, a Suécia passou a permitir que casais de lésbicas tivessem acesso, em hospitais públicos, à procriação assistida. Só este ano a Suécia vai votar no Parlamento uma proposta de lei que visa dar o casamento aos homossexuais, mas desde 1995 que consagra as uniões civis. No Reino Unido, o cenário é semelhante. Os casais homossexuais podem ser pais, mas não podem, ainda, casar-se. Londres alterou a lei da adopção em 2003, retirando do texto a obrigatoriedade de o casal ser casado para poder candidatar-se à adopção. A alteração abriu, então, as portas a gays e lésbicas. Apesar dos desenvolvimentos, naquela data o Reino Unido não tinha ainda regulamentado as uniões civis entre parceiros do mesmo sexo, o que só acabou por acontecer em 2005. Numa outra perspectiva do direito à adopção, países como a França, a Dinamarca e a Alemanha possibilitam que uma pessoa, ainda que não casada, possa adoptar os filhos, biológicos ou adoptados, do seu parceiro do mesmo sexo. Em França, a mudança data de 2006, por força de uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que deu razão a um casal lésbico em união civil quando a mãe biológica de uma criança quis partilhar a responsabilidade parental com a parceira. Foi a Holanda a inaugurar a tendência, em 2001. Na primeira vez em que os democratas-cristãos não ocupavam a cadeira do poder, o Governo liberal consegue a maioria parlamentar e aprova a lei do casamento para homossexuais e o direito à adopção. No último Eurobarómetro, de 2006, mais de 80% dos holandeses concordavam com o casamento entre pessoas do mesmo sexo e 69% com a adopção. 2003 foi ano de a Bélgica dar o "sim" ao casamento para gays e lésbicas. Também sem rasto de conservadores no poder, o Governo de Guy Verhofstadt propôs o casamento e, três anos mais tarde, apesar da discordância da maioria da população (58%), a proposta de estender os direitos de adopção e de assistência na procriação passa o crivo do Parlamento belga. A lei espanhola de Zapatero surge em 2005, concedendo o direito ao casamento e à adopção. A última foi a da Noruega, com a entrada em vigor da nova lei a 1 de Janeiro de 2009. A Suécia será o país que se segue, com o apoio da maioria da população. A Agência dos Direitos Fundamentais da UE, criada em 2007, realizou a pedido do Parlamento Europeu um relatório sobre homofobia e discriminação com base na orientação sexual no qual sublinha a "necessidade de clarificar a situação" dos casais homossexuais "em conformidade com os direitos humanos internacionais, no que toca a direitos e benefícios dos cônjuges e parceiros". Em particular, o relatório foca as três directivas europeias que tratam os assuntos da discriminação: emprego, reunificação familiar e qualificações. Na sua análise, a agência critica a acção legislativa da UE na medida em que, "paradoxalmente, o direito comunitário cria uma hierarquia artificial para os vários tipos de discriminação, protegendo um dos tipos de discriminação (o da raça) de forma mais consistente do que outros". Para a agência especializada em direitos humanos na UE, é preciso que o mesmo grau de protecção seja oferecido a todos os tipos de discriminação. Em concreto, a agência que tem sede em Viena, na Áustria, recomenda à UE que dedique melhor regulamentação aos esforços anti-discriminação de indivíduos LGBT, em linha com os princípios consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da UE, onde, e pela primeira vez em todo o mundo, está proibida a discriminação com base na orientação sexual.

