faz de conta (texto de Jaime Roriz)
O Sr Presidente da República vetou a lei do divórcio. Os partidos políticos chamaram ao novo regime do divórcio, lei do divórcio. Os jornais, a televisão e a imprensa em geral (ainda não percebi porque carga d'água rádio e televisão são imprensa) continuam a clamar pela lei do divórcio, uns contra outros a favor. Na blogosfera discute-se assanhadamente que ... porque tal ... e coiso ... ai ... que não querem que as pessoas se divorciem ... ou pelo contrário que o divórcio fica um contrato a prazo.Resumindo, todos andam muito preocupados com aquilo que pode acontecer a adultos, capazes de consentir, caso queiram, ou não queiram, divorciar-se. Todos acham que vão surgir umas pobres pessoas vitimadas pela lei actual ou pelo novo regime.
Porém, e eu não me conformo com isto, será que alguma destas cabeças pensantes terá efectivamente lido os documentos todos? É que, não devem ter reparado ainda mas, metade do texto da alteração legislativa refere-se às responsabilidades parentais.
O Presidente "faz de conta" que não deu por isso, os partidos fazem de conta que não deram por isso, a ordem dos advogados, a imprensa e até na blogosfera, a jornalista Fernanda Câncio invectivando, muito bem, contra o veto presidencial – sempre tão atenta e com análises profundas dignas do melhor jornalismo que por cá se faz – "faz de conta(?!?)" que não deu por isso.
O texto aprovado na Assembleia da República vem rectificar uma situação profundamente injusta e dar o primeiro passo no sentido de as crianças terem direito ao pai e à mãe em caso de separação. O texto, repito, muda o termo "Poder Paternal" para "Responsabilidades Parentais" retirando do ordenamento jurídico essa expressão medieval, rural e sexista. Ao mesmo tempo o novo regime preconiza que ambos os progenitores devem estar o mais próximo possível dos filhos, mesmo em caso de separação, plasmando na lei o regime de guarda conjunta como regime obrigatório (salvas algumas, raras, excepções).
Como membro de uma IPSS e parceiro social, tive o privilégio de poder discutir com todos os grupos parlamentares as questões relativas às responsabilidades parentais. Fiquei abismado pelo facto de estar a dar novidades aos srs deputados – que nos receberam sempre bem e com um interesse que, pelo menos no que se via, parecia genuíno – ninguém tinha pensado ainda, de tão preocupados que estavam com o divórcio, nas consequências benéficas desta alteração legislativa, mais uma vez, lá estavam todos preocupados com as contas dos divorciados e com todas as questões de sexismo, conservadorismo, religião, etc etc. E as crianças Senhor? ("porque lhes dais tanta dor?" como dizia o poeta Augusto Gil)
Eis, assim, um assunto que apaixonou a opinião pública e em que o mais importante passou completamente ao lado a toda a gente. Adultos capazes de consentir que se cuidem, digo eu, ao contrário de toda a gente. Dos menores temos todos nós que cuidar, não só porque são o futuro de Portugal, porque também é hoje que, formando os homens e mulheres de amanhã, faremos deste país um lugar melhor, ou pior, para se viver. Mas as crianças não dão polémica, não servem para fazer chicana política, não votam enfim.
No fim serão as crianças que hoje vocês maltrataram, pela via da chicana política, que, quando crescerem, vos assaltarão os carros, vos violarão as filhas e que encherão o, depauperado, sistema de saúde de pedidos de consultas de psicologia. Vocês estão a roubar-lhes um dos pais.
Do direito ...
Fiquei a saber que a disposição transitória no que respeita aos processos pendentes foi feita à pressa porque algum jurista presente nas comissões de especialidade lá se terá lembrado ... "Errr.... e a disposição transitória?" .... "Não se aplica aos processos pendentes" pronto(s)! Esqueceu-se, neste caso, o legislador e o sr jurista que os processos relativos às responsabilidades parentais só deixam de estar pendentes com a maioridade da criança (repare-se no disposto no artigo 292.º do CPC [aplicável aos processos de jurisdição voluntária, ex vi artigo 463.º/1 do CPC], que considera renovada a instância nos casos ali previstos, onde se pode incluir a regulação do poder paternal). Ou seja, um processo que seja regulado quando a criança tem 1 ano de idade manter-se-á regulado pela lei actual, na melhor das hipóteses, durante dezassete anos, ou, na pior das hipóteses, durante até 25 anos.
Resta-me levantar aqui a questão. Quando daqui a 20 anos se queixarem da juventude mostrar-vos-ei este texto.
Jaime Roriz

