De derrota em derrota até à vitória final
Nós, os bons europeus, não temos razões para nos alegrar com o resultado do referendo irlandês, porque, na ausência do Tratado de Lisboa, ganham aqueles que gostariam de transformar a União Europeia num mero espaço de comércio livre ao jeito da defunta EFTA. Vocês sabem de quem estou a falar.Mas também não temos razão para nos carpirmos, não só porque o Tratado consagraria o domínio de um pequeno grupo de países sobre o conjunto da União, como também porque instâncias importantes de poder permaneceriam totalmente fora do controlo do Parlamento Europeu.
A via Sarkozy para a reforma europeia - parlapatice, cosmética e bullying - é inaceitável, pelo que é tempo de considerar as alternativas.
A primeira questão importante é esta: reforma para quê? O argumento dominante tem sido tecnocrático: trata-se de simplificar os procedimentos para acomodar a entrada de novos membros, de modo que acabariam, por exemplo, as presidências rotativas e a distribuição dos comissariados por todos os países membros. É natural que isto não só não entusiasme ninguém como desperte desconfiança em muitos, entre os quais me incluo.
Para mim, o essencial é democratizar a União Europeia, acabando com os poderes não eleitos nem responsáveis perante os representantes dos eleitores. Isso implica duas coisas: criar um verdadeiro Estado europeu, e construi-lo segundo o modelo federal.
A forma mais óbvia de fazê-lo consistiria em eleger uma Assembleia Constituinte e encarregá-la de redigir um projecto de Constituição Europeia. Os países que a adoptassem passariam a reger-se por ela, os restantes seriam convidados a assinar acordos de associação.
Recorde-se que, em 2001, 77% dos europeus declararam-se a favor de uma Constituição Europeia. Sendo assim, por que é que isso não se faz? Fundamentalmente, porque o projecto de uma Europa de cidadãos foi preterido em favor de uma Europa de estados, de modo que as posições em confronto não são as dos partidos, mas as dos países. A França acha isto e o Reino Unido acha aquilo, mas o Partido Socialista e o Partido Popular Europeu não acham nada.
Estamos muito longe - talvez cada mais longe - da Constituição Europeia e da Europa federal, porque não há literalmente nenhuma movimentação política de relevo orientada para esse propósito. De nada vale um objectivo sem uma estratégia para lá chegar.
Miguel Portas defendeu há dias, em nome do Bloco de Esquerda, que o próximo Parlamento Europeu, a eleger em 2009, deverá ser investido de poderes constituintes. Mas como podemos levar a sério uma tal declaração vinda de um partido que não só tem uma atitude ambígua em relação à União Europeia, como recusa por princípio dois dos seus traços centrais, a saber os princípios do comércio livre e da livre circulação dos trabalhadores?
Entre nós, os comunistas e os bloquistas fazem todos os dias propaganda contra a própria ideia da União Europeia, quando é absolutamente evidente que são os trabalhadores quem mais tem a ganhar com uma Europa federal e democrática.
É também esta falta de seriedade e esta estreiteza de vistas que, de momento, nos impede de ir mais longe.

