Desnorteados
Há uma certa direita que anda algo desnorteada com a vitória de Obama. Se Obama é, como diziam os seus críticos, um esquerdista radical; um socialista; um social-democrata; um redistribuidor da riqueza; um estatista; alguém que é complacente com o terrorismo e que acredita no poder da diplomacia e no valor do multilateralismo; que é o presidente mais à esquerda da história dos EUA, o que dizer daquela esquerda que se revê em quase tudo o que o novo presidente americano defende? Por muito que eles tentem caracterizar o enamoramento da esquerda com Obama como algo irracional ou, na sua versão mais paternalista, uma mera ingenuidade infantil que não passa o teste da crua realidade, a verdade é que grande parte daquilo que Obama defende vai ao encontro da maioria das aspirações da esquerda moderna europeia.
O problema desta direita é que a vitória de Obama os obriga a rever os clichês preguiçosos através dos quais se habituaram a caracterizar uma parte dos seus adversários políticos —aqueles que não sendo de direita não se revêem no PCP ou no Bloco de Esquerda. Não é a esquerda que tem de engolir o seu anti-americanismo; é a direita que tem que digerir o facto de que o país que eles tanto admiram ter escolhido um projecto político onde palavras como redistribuição da riqueza, impostos progressivos, saúde como um direito universal, bens públicos, prosperidade partilhada, Estado e políticas públicas de desenvolvimento passaram a fazer sentido e já não são um património exclusivo de uma esquerda europeia esclerosada que se recusa a encarar a realidade de um mundo pós-comunista.
Se esta eleição tem algum significado, ele é o reconhecimento cabal de que a revolução conservadora de Reagan e Thatcher se esgotou e que a fórmula conservadora dos low taxes e small government deixou de fazer sentido no mundo em que vivemos. Não sou eu a dizê-lo; são os americanos que deram aos democratas a maior vitória política desde Lyndon Johnson. E não me venham dizer que os grandes responsáveis desta derrota foram a adminstração Bush ou a contingência e o azar da crise económica. O azar não é um acaso, pois ele tem um significado político claro: o povo americano olhou para os Republicanos e para a sua filosofia política e rejeitou-os de forma categorica. É nos democratas e no novo contrato social proposto por Obama que os Americanos mostraram acreditar. Vão-me desculpar, mas isto diz certamente mais sobre a necessidade da direita em se renovar do que qualquer coisa sobre o suposto anti-americanismo da esquerda.

