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Presunção e Água Benta - III

 

O projecto de lei que descriminaliza o aborto até a décima segunda semana de gravidez no Uruguai, depois de terem sido aprovadas no Senado as alterações introduzidas pela Câmara dos Deputados, foi vetado pelo presidente Tabaré Vázquez com base em motivos de «identidade filosófica e princípios éticos», um eufemismo para objecções religiosas. A decisão presidencial, que mereceu todos os encómios da Conferência Episcopal, pela voz do seu representante monsenhor Luis del Castillo,está a levantar uma onda de polémica no país, com alguns grupos a afirmarem que o veto é um «acto de autoritarismo» que implica um «retrocesso enorme» para a democracia no país.

A Constituição uruguaia exige que um projecto de lei alvo de um veto presidencial seja votado favoravelmente por três quintos dos membros das duas câmaras.
A autora do projecto, a senadora da coligação no governo Margarita Percovich, referiu que
«A alternativa (ao veto) poderá ser um plebiscito, que poderia ser realizado junto com as eleições presidenciais no ano que vem. Para isso, vamos precisar contar com um  abaixo-assinado da população».
Entre os senadores que votaram a favor da medida encontram-se o vice-presidente do país e presidente do Senado, Rodolfo Nin Novoa, e os pré-candidatos à sucessão de Vázquez, o ex-ministro da Economia, Danilo Astori, e o ex-ministro da Agricultura, José Mujica, pelo que não é difícil prever que mesmo que não se consigam recolher os votos necessários para ultrapassar o católico veto, é apenas uma questão de tempo para que  o Uruguai seja de facto o estado laico  que a sua constituição prevê.

Também nos Estados Unidos, felizmente aí com nenhumas perspectivas de sucesso, a mesma táctica de pressão é levada a cabo pelos bispos locais - muitos dos quais apelaram ao voto no ticket republicano, cuja identidade filosófica e princípios éticos estão certamente mais próximos dos que advogam, apelo levado pós-eleições às últimas consequências por um padre que avisou que os fiés que votaram em Obama não podem comungar. Isto é, numa demonstração total de falta de vergonha na cara presunção e água benta, depois de  terem demonizado Obama e de o partido democrata ter sido mimoseado com o epíteto «partido da morte», os bispos americanos apelam ao presidente para que siga não a agenda que o elegeu mas sim a agenda católica, nomeadamente no que ao aborto diz respeito.

O aborto foi assim o prato forte da alocução do presidente da Conferência de Bispos Católicos dos Estados Unidos (USCCB), o cardeal Francis George que depois de invectivar o presidente eleito a não aprovar «leis diabólicas» - a lei federal Liberdade de Opção que impedirá a nível estadual  fanáticos como o que bramiu a «Sodomized Religious Virgin Exception» de impor a todos as suas crenças religiosas - carpiu na sessão plenária de há dias que sejam os católicos e não os negros os discriminados na América de hoje.

Ou antes,  numa cristianovitimização do mais absurdo e autista a que assisti nos últimos tempos, o prelado considera que «todas as raças vivem seguras dentro da sociedade americana», mas o mesmo não acontece com os católicos. A razão fantástica para isso, segundo o prelado, é o facto  de que não estão reunidas as condições para que «os católicos, sobretudo na vida pública, possam ser considerados como plenamente participantes na experiência americana, a não ser que estejam dispostos a deixar de lado alguns ensinamentos fundamentais católicos sobre a justiça moral e política».

Isto é, para o representante máximo da ICAR nos Estados Unidos a participação plena dos católicos na vida pública passa impreterivelmente por todos sem excepção serem obrigados pela letra da lei a engolir as bananas da ICAR - regras arbitrárias, ou antes fobias dos pais da Igreja que morreram há umas centenas largas de anos, a que nos querem manter   juridicamente amarrados.

Felizmente o autismo das hierarquias religiosas é rejeitado pela esmagadora maioria dos católicos americanos que considera que a sua participação na vida pública não se esgota em questões de genitália e concepções sobre o que é a vida. Assim, votaram maioritariamente em Obama,  como diz um leitor no NYTimes- «As a practicing Catholic, I am proud that American Catholics resisted bishops’ efforts to bully them into voting as single-issue voters endorsing a conservative Republican agenda.

De acordo com uma sondagem pós-eleição realizada pelo insuspeito  Faith in Public Life, a maioria (71%)  dos católicos e de evangélicos (62%) acredita que as pessoas de fé devem promover e advogar políticas que  «protejam os interesses de todos e promovam o bem comum» e não políticas que «protejam os seus valores e o seu modo de vida».

De igual forma, uma maioria ainda mais esmagadora de católicos (81%)  - e evangélicos (86%) -  acredita que os seus líderes políticos devem trabalhar para diminuir o número de abortos arranjando formas de prevenir gravidezes não desejadas - o que inclui as tão execradas pelo Vaticano «ideologias de género» - contracepção e educação sexual, claro.

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