O Efeito dos Raios Palin nos Joaquins do Campo
No Portugal Contemporâneo alguém chamado Joaquim resolveu defender o ensino do criacionismo a par com o evolucionismo. Depois de debitar uma série abissal de dislates, este Joaquim iluminado pelos raios Palin sugere que a necessidade de equiparação curricular de mitologia e ciência tem também a ver com o «horror da esquerda ao ensino do criacionismo» porque «este transmite valores, deveres e responsabilidades». Pensava eu na minha inocência que o ensino de ciência deve ser neutro, factual e transmitir aos alunos modelos naturais de explicação de fenómenos também naturais. Aparentemente ando enganada há uns anos largos porque nas minhas aulas devia não preencher um vazio de conhecimento científico mas sim estetoutro anímico.
Há muito que constato que a maioria dos fundamentalistas religiosos é imune à racionalidade mas devo confessar que nunca ouvi um argumento tão absurdo em defesa das fantasias criacionistas. Não sei se a seguir ouviremos a defesa do geocentrismo não só por a imensidão do Cosmos e a insignificância da Terra nos deixar «um vazio fenomenal» mas também por a cosmofísica ser «ciência de esquerda».
Quiçá este Joaquim recomende como manual de biologia os «Anais do Mundo» de James Ussher, arcebispo de Armagh, um calhamaço de mais de 1600 páginas subintitulado «A Origem do Tempo, e a Continuação para o Início do Reino do Imperador Vespasiano e a Destruição e Abolição Total do Templo e da Comunidade dos Judeus». Esta obra indispensável a qualquer criacionista devota-se à cronologia bíblica e «calcula» que a criação aconteceu no domingo 23 de Outubro 4004 a.C - e a expulsão do «paraíso» menos de um mês depois, a 10 de Novembro. Espero com um frémito de antecipação a comemoração dos pouco mais de 6000 anos de criação do Universo que tão iluminado blog certamente fará dentro de pouco mais de um mês…
Poderia elaborar um pouco mais sobre o tema, mas para bem do livre arbítrio do senhor embora a penas de destruir o maniqueísmo esquerda-direita que lhe mantém a sanidade da alma, deixo-lhe o nome de Steve Fuller, um «esquerdista» defensor do ensino do criacionismo em roupagem de desenho inteligente.
A posição cretina de Fuller sobre DI e evolução foi passada a livro, «Science Vs Religion?: Intelligent Design and the Problem of Evolution», um monte de dislates fátuos, ou antes «um pedaço de trabalho verdadeiramente miserável, cheio de erros científicos, históricos e mesmo teológicos», como foi descrito no artigo «The Painful Elaboration of the Fatuous, Norman Levitt Deconstructs Steve Fuller’s Postmodernist Critique of Evolution» por outro «esquerdista», Norman Levitt, um matemático de Rutgers.
Por outro lado, há muitos «conservadores» que reconhecem ser o criacionismo a palermice que de facto é, ou seja, não é apanágio da «esquerda» a defesa do evolucionismo, o papel da evolução como princípio organizador central da biologia moderna é reconhecido por todos os que não deixam a religião (ou a política, no caso do Joaquim) obliterar-lhes as conexões neuronais. A evolução é um princípio fundamental e claramente estabelecido na comunidade científica. Tão sedimentado como a teoria coperniciana de que é a Terra que se movimenta em torno do Sol e não o contrário.
Isto é, nem a «direita» nem a «esquerda» são tão monolíticas como alguns pretendem e considero verdadeiramente perigoso que se tente manipular maniqueisticamente qualquer verdade, quer em nome da religião quer de posições políticas. Pelas razões óbvias, a manipulação da ciência em prol de uma qualquer mundivisão repugna-me especialmente mas não caio na falácia de atribuir a estupidez criacionista à «direita». Nem sequer à «religião» no sentido em que o Joaquim fala da «esquerda». Por exemplo, nos Estados Unidos é católico um dos cientistas mais empenhados em desmontar as falácias neo-criacionistas, Kenneth Miller, autor do livro «Finding Darwin’s God: A Scientist’s Search for Common Ground Between God and Evolution».