Docentes à beira de um ataque de nervos
Não, não estou a falar da questão que tem acendido ao rubro a jugular e o país. Os professores de que falo são os professores do ensino superior que, enquanto esperam pela prometida avaliação, estão à beira de um ataque de nervos com a paralisação da sua actividade científica imposta pela esquizofrenia burocrática decorrente de legislação recente e de uma interpretação deveras bizarra (pelo menos para mim) do Tribunal de Contas.
No caso do Técnico, na auditoria a que fomos submetidos pelo TC, este resolveu proibir uma prática corrente, o reembolso de despesa realizada pelos investigadores no âmbito dos seus projectos de investigação - ou seja, dinheiro de receitas próprias e não de orçamento de estado. Segundo o TC, não importa que esse reembolso só seja feito se forem seguidas as normas da despesa pública porque, embora não exista nada na lei que proíba o reembolso, segundo eles só é possível fazer o que está estritamente previsto na lei e não há nenhuma disposição legal que preveja que eu seja reeembolsada do dinheiro que gastei para pagar, por exemplo, a inscrição numa conferência ou as pilhas para o aparelho que usamos no alinhamento do laser.
Mas o que nos está a deixar em estado de choque é o Código dos Contratos Públicos (CCP), que me parece algo muito interessante quando aplicado ao sector público administrativo tradicional para que foi desenhado mas que resulta no caos numa escola de ciência e investigação como o Técnico onde cerca de 60% do orçamento resulta de receitas próprias, na sua maioria proveniente de projectos de investigação neste momento muito complicados de executar dadas as restrições impostas pelo CCP.
De facto, até agora os responsáveis de cada projecto - e temos em média mais de mil projectos em curso - geriam autonomamente os seus projectos tendo a responsabilidade da sua execução. Isto é, cada responsável tratava de todos os trâmites associados à aquisição de reagentes, equipamentos, manutenção, etc., em suma, tratava de toda a execução material necessária à execução científica dos seus projectos. As facturas e restante documentação eram entregues nas unidades de gestão respectivas e os serviços centrais tratavam o digest dos cerca de 50 000 documentos de despesa/ano gerados pelas diferentes unidades.
Agora, todo o trabalho anteriormente distribuído por uns milhares de pessoas tem de ser dirigido para uma central de compras com meia dúzia de funcionários porque o CPP só nos deixa comprar por adjudicação directa 75.000€ em três anos por fornecedor. Numa escola que movimenta cerca de 50 milhões de euros de projectos por ano, este montante (quando conseguirmos finalmente comprar qualquer coisa) será seguramente ultrapassado para alguns fornecedores, por exemplo os poucos que vendem reagentes químicos ou componentes electrónicos, para aí em 2 meses! Assim, todas as compras têm de ser centralizadase controladas para garantir que o Técnico cumpre o CCP, garantindo igualmente que a investigação fica paralisada ou pelo menos adiada.
Isto é, eu não posso comprar um litro de um solvente directamente, tenho de ir para a (longa) fila do economato dar início a um processo burocrático interminável. Assim, em vez de estar daqui a dias a fazer uma experiência necessária, com sorte conseguirei fazê-la daqui a três meses - isto se o heróico pessoal do economato não transitar para uma ala do Júlio de Matos quando começar a tratar de aquisições complicadas ou tiver de convencer os muitos fornecedores estrangeiros de que precisam de nos mandar provas de que nenhum dos titulares dos seu órgãos sociais de direcção, administração ou gerência foi condenado por um de uma longa lista de crimes que o CCP elenca na alínea i do seu artigo 55º...

