um, dois, três, vamos contar outra vez
Parece que os professores que ontem se concentraram para a vigília à porta do ministério da Educação cantarolavam "um, dois, três, já cá estamos outra vez". O intuito irónico da cantilena não contou decerto com o ricochete. Sim, lá estão eles outra vez, pensa uma parte não negligenciável das gentes, saturada de protestos professorais (e agora também, nos últimos tempos, de alunos a clamar por coisas como "fim dos exames nacionais"- e chocolates grátis, já agora, não?).
Não me entendam mal: não estou, de modo nenhum, contra o protesto. Simplesmente, estou farta deste e não vejo o ponto da sua continuação. Já percebi, como toda a gente já percebeu, que os professores estão zangados com o ministério, com o estatuto da carreira docente, com o aumento do tempo de permanência nas escolas, com as aulas de substituição e, claro, com o modelo de avaliação. Anotámos todos. Anotámos todos também que o ministérioefectuou alterações ao dito modelo, tendo em conta uma série de críticas. E esperámos que os professores, em troca, aceitassem uma evidência simples: é preciso parar com esta história. Porque é preciso que as escolas funcionem e porque não chega encher a avenida da Liberdade nem fazer greves muito participadas para mandar.
É disso que se trata: mandar. Para o caso de ainda não se ter percebido. E para decidir quem, durante um dado espaço de tempo, manda, costuma haver eleições. Chama-se ao processo eleitoral processo de legitimação democrática por alguma razão. E a última vez que olhei para as eleições os professores não se tinham candidatado a governar - mesmo se entre os mails que recebi nas últimas semanas havia um, enviado por professores ( guardei-o, já agora) em que se lia "começou a campanha eleitoral dos professores contra o PS".
Haverá quem considere o meu raciocínio anti-democrático. Não é grave - ou melhor, é, porque é esse o problema, saber o que é democracia e como funciona. É o poder da rua? Não, não é. Claro que há governos que caem na rua, por protestos massivos. Claro que é isso que os professores pretendem representar - um protesto massivo. Mas se calhar é altura de pararem para contar quem têm do lado deles. A oposição? Sim, têm a oposição. Mas se contarem com o que vale em votos a oposição têm de contar com o que vale em votos o governo. E há esse pequeno pormenor: é o governo legítimo em funções. Claro que uma pessoa se pode estar nas tintas para isso, mas é estar-se nas tintas para a democracia. A democracia não é só eleições? Não, não é. Governar não é só mandar? Não, não é. Também é ouvir e negociar. Tudo isso sucedeu, e os professores averbaram várias vitórias. Querem "ir até ao fim"? Bom, é com eles. Mas se a ideia for derrubar o governo, talvez seja boa ideia dar uma olhadela às sondagens e tentar perceber quem ganhará se houver novas eleições. É capaz de não ser o PCP.
(publicado hoje no dn)