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Que realidade, papá?

Tal como o Vasco, estou pelas mesmas razões e mais algumas com falta de tempo até meados de Fevereiro, mas não resisto a comentar as barbaridades nonsense do astrólogo Olavo de Carvalho  que o João resolveu transcrever (andas com uma propensão preocupante para citar como grandes pensadores os mais imbecis apóstolos anti-ciência em geral e anti evolução em particular) .

 

Toda a prosa sobre ciência do panfletário alucinado  tem como fim fazer da religião a «matriz de uma estratégia filosófica e científica para a resolução de problemas da cultura atual».   Para isso, tal como algumas correntes pós-modernas,  recorre a uma prosa empolada e oca - a um uso peculiar das palavras que muitos identificam como erudito mas que na realidade esconde a vacuidade do pensamento -  para desvalorizar ou mesmo negar o valor do conhecimento científico.

 

A única diferença entre Olavo de Carvalho e  esses críticos pós-modernos (vale a pena reler o artigo de Paul Boghossian sobre o tema) reside nas «causas» que defendem e que se situam em extremos políticos - que se tocam no obscurantismo.

 

Tal como Olavo, essas tendências pós-modernas questionam não só a ciência como a possibilidade de uma verdade objectiva e independente de pontos de vista.  Em particular, asseveram enfaticamente que as afirmações científicas não  passam de diferentes «narrativas», apenas válidas nos respectivos contextos históricos, culturais e linguísticos, pois apenas revelariam os preconceitos culturais ( e para estas luminárias ignorantes, ciência não é cultura, é o «inimigo» ) de diferentes narradores sem qualquer correspondência com uma realidade que consideram inexistente.

 

A realidade objectiva existe independentemente das representações humanas, contra a perspectiva de que tudo são representações da realidade e como tal, a realidade é sempre e só a realidade subjectiva apreendida e/ou construída pelo sujeito. Mas por mais alterada que um consumidor de teonanacatl ou cogumelo sagrado veja a realidade, o certo é que cai de acordo com as leis da física se tropeça numa pedra que, de acordo com as sandices pós-modernas,  não deveria existir.

 

De igual forma, a linguagem possibilita a comunicação ao nível do significado e não apenas ao nível do significante, isto é, o que se comunica tem por norma uma relação com objectos e estados de coisas cuja existência é independente da linguagem e até do emissor e do receptor da mesma.

 

Ou seja, aquilo que designamos por verdade procura traduzir com precisão as representações da realidade. Como escreve Searle (artigo em formato pdf) «as afirmações procuram descrever como são as coisas no mundo, cuja existência é independente da afirmação, e a afirmação será verdadeira ou falsa em função delas no mundo serem realmente como ela diz que são». Isto é, e detendo-me apenas em questões científicas, se eu atirar uma pedra ao ar, como é impossível  que lhe consiga imprimir uma velocidade de escape, afirmar que ela vai cair é uma afirmação verdadeira em qualquer contexto «cultural». Por outro lado, embora diferentes culturas tenham designações diferentes para o vermelho que a cianina apresenta na sua forma de flavílio, em todas elas posso afirmar que uma solução aquosa ácida de cianina absorve a 520 nm.

 

Confesso que tenho uma enorme dificuldade em perceber os apóstolos do obscurantismo que verberam para lá do seu PC (ou Mac) que a ciência que o permitiu construir não passa de um preconceito «cultural».  Os critérios de verdade, dizem-nos, são relativos às diferentes práticas e culturas e não há nenhum juiz ou padrão de racionalidade que permita avaliar essas diferentes verdades (o reality check é um materialismo redutor...). É muito divertido vê-los  verberar com certeza absoluta que não há uma verdade não relativa, um problema «subtil» já apontado por Platão aos sofistas.  Mas um problema que qualquer pessoa com um mínimo de bom senso não tem qualquer dúvida em refutar nesta era totalmente dependente da ciência em todos os aspectos do quotidiano, como tão bem nos recordou a Fernanda.

 

Na "Palestra Voltaire" no King's College, Simon Blackburn refere-se, moderadamente,  à forma como os cientistas e as pessoas de bom senso (e sem agendas ideológicas) olham para as absurdas pós-modernices de quem não percebe nada de ciência, nem sequer o que é ciência, mas se arroga a grandes lucubrações sobre o tema:

 

«Por outras palavras, a atitude de neutralidade significa que o sociólogo aparece como o tipo de psicanalista delirante que busca as causas da minha crença de que há manteiga no frigorífico na minha infância, ou nos meus pais, ou na minha vida sexual — em todo o lado menos no frigorífico. Do meu ponto de vista, há apenas uma razão para eu acreditar que há manteiga no frigorífico: fui lá e vi que havia. Se o psicanalista «põe esse facto entre parêntesis», então nada do que ele diga pode servir para me descrever.»

 

Eu diria que nada do que ele diga serve para alguma coisa...

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