Todos os nomes*
Três gerações de diluição onomástica e aquisição genética do hábito feio de apontar em público.
*No Metro, hoje
O futuro do país são os jovens, mas o futuro de cada um é a velhice. Seduz-me mais um velho activo do que um jovem promissor. Talvez por défice de patriotismo, vejo as gerações vindouras como avalanches e o que me encanta são aquelas poucas árvores que resistem à sua passagem, ao tempo, ao esquecimento. I have a dream too: Scarlett Johansson (24 anos) engorda, erra as cirurgias e é aos quarenta uma sombra de Sophia Loren (74). Queria pois deixar uma mensagem de esperança em tempo de crise: o declínio da natalidade e o aumento da esperança de vida farão um país melhor. De resto, Portugal tem já capital humano, de que faz prova este leque: Agustina Bessa-Luís (86), Eunice Muñoz (80), Simone de Oliveira (70), Fernando Pessa (100+6, a título póstumo), Manoel de Oliveira (100), Moniz Pereira (87), José Saramago (86), Eduardo Lourenço (85), Mário Soares (84), Ruy de Carvalho (81), José Mattoso (75), Fernando Correia (72) e o arrumador de carros do restaurante Saísa (à hora de fecho da edição não foi possível obter a sua idade).
Não privo com nenhuma destas personalidades, mas os seus nomes são-me familiares. Saramago, por exemplo, faz de tio rezingão e é um gozo ver que o escritor tem ânimo para manter o blog O Caderno de Saramago. Ora, num dos seus últimos posts, dirige-se a Hillary Clinton e pede-lhe que recupere o nome de solteira. Isto é inovador: levaria Hillary a abandonar o nome do marido, por assumir um cargo, mas não o marido propriamente dito, que se assumiu como infiel. Saramago tenta passar tal acto por grito do Ipiranga feminista datado (vai sendo comum uma mulher não abdicar do nome de solteira) e justifica-o no mesmo parágrafo por se tratar ainda de uma homenagem ao pai de Hillary. É sabido que um parágrafo de Saramago pode albergar o mundo, mas apelar à libertação onomástica da mulher para glória do pai desta é paradoxal. Onde está o protesto de Saramago com a tradição (lei em Portugal), nem sequer muito antiga, que apenas obriga a que o neófito tenha pelo menos um apelido da linhagem paterna? Prefiro a posição do estóico: aceitar e resistir, louvar os mártires das leis vigentes e do desnorte parental que são Possidónio Cachapa e Desidério Murcho. Saber que não podemos cumprir a fantasia do genealogista que seria carregarmos todos os nomes dos nossos antepassados. E chamar a mim a obrigação de um dia fazer de João Baptista do meu filho, como um carrasco que não renuncia à sua tarefa. Tudo o resto não interessa. Nomes adoptados no casamento, mudanças de apelido para inicial, dobragem de consoantes, pseudónimos literários, nomes de guerra, enfim... Nepotismos à parte, nunca um nome fará por nós o muito que podemos fazer por ele.
A lei de equidade salarial, que Obama acaba de assinar e confere o direito aos trabalhadores de recorrerem aos tribunais se estiveram a ser vítimas de discriminação nos vencimentos, fica para a história como o Lilly Ledbetter Fair Pay Act. Foi a queixa apresentada por esta senhora que levou a esta lei e ninguém se lembrará de perguntar se “Ledbetter” é o apelido do seu pai ou o do seu marido.