Outra vez? Seja, então.
Ao ler a Palmira resolvi, pela enésima vez, ir repescar o que disse na altura da discussão da regulamentação da Lei 16/2007 de 17 de Abril sobre a ecografia, parece que ainda é necessário.
Na base de qualquer actividade clínica está a relação terapêutica, cujas características ético-deontológicas estão claramente definidas.
A vertente informativa, não directiva e facilitadora da escolha está inerente a qualquer consulta médica desenvolvida com base no modelo biopsicossocial, em particular se o acompanhamento clínico é feito no contexto de uma equipa multidisciplinar e com possibilidades de se desenvolver por etapas - como é, claramente, o caso da interrupção voluntária da gravidez feita por opção da mulher. Nesse contexto, e assumindo que não compete à classe médica determinar as atitudes e regras de qualquer Estado ou comunidade, não posso deixar de sentir como lesivas quaisquer determinações legais que interfiram com o modo como se desenrola a normal relação terapêutica, sobretudo quando se pretende estandardizar o que deve, ou não, ser dito àquela mulher em particular, e como deve ser dito.
A ecografia é uma técnica imagiológica não invasiva que, através da emissão de ultrassons, permite a visualização dos órgãos ou massas internas com fins diagnósticos. É, portanto, um meio auxiliar de diagnóstico, amplamente usado em medicina.
No que à IVG diz respeito, e de acordo com a actual lei, ela é utilizada para datar a gravidez e saber se ela se inclui na moldura legal das dez semanas. - número 7 do artigo 142º do CP: "Para efeitos do disposto no presente artigo, o número de semanas de gravidez é comprovado ecograficamente ou por outro meio adequado de acordo com as leges artis.". Subsidiariamente, pode servir também para revelar algum problema clínico e, em particular, fornecer informação médica adicional sobre a viabilidade da gravidez. Parece-me medicamente correcto que toda esta informação deva ser passada à mulher, usando uma linguagem e uma atitude adequadas a cada caso, sempre no sentido de elucidar, informar e apoiar aquela que vier a ser a decisão última daquela mulher que está a ser "ecografada" – sim, porque é da mulher que estamos a falar, não da técnica imagiológica. Se, nalgum momento, essa mulher particular pedir para ver a ecografia, defendo que lhe seja mostrada, de contrário não vejo razão para o fazer.
Quando alguém me conseguir explicar de que maneira a visualização da imagem ecográfica configura uma informação relevante para a formação da decisão livre, consciente e responsável da mulher que pondera abortar mudarei, de imediato, a minha opinião. Enquanto isso não acontecer, continuarei a entender que tal prática não tem quaisquer mais valias médicas ou informativas. Acrescento mesmo, para ser completamente honesta, que forçar uma mulher a olhar para uma ecografia é, na minha opinião, não só eticamente reprovável em termos médicos, como invasivo, abusivo e perverso em termos humanos. Em última análise, consubstancia uma forma de abuso de poder por parte do clínico que vai contra o mais elementar princípio da relação terapêutica: a salvaguarda da saúde do indivíduo.