(Transcrição de um vídeo censurado em que o Professor Marcelo conversa com a jovem Elisa no areal do Guincho, logo após o seu mergulho matinal e ainda com cabelo molhado; Marcelo de pólo azul escuro da Amarras, Elisa em tons pastel).
Elisa (jovem): …nhó nhó nhó nhó?
Marcelo (Professor): Ora bem, é uma magnífica questão (pausa) Quem teve a ideia do modelo alemão, talvez ainda se lembrem, não fui eu. Mas eu sobre isso queria sublinhar três coisas (nova pausa, ligeiro inclinar de cabeça para a frente, um discreto erguer de braços) Em primeiro lugar, é preciso dizer que o modelo alemão em abstracto é O grande modelo. Por mim aumentava-lhe apenas o prazo das 12 semanas até aos 8 meses (a câmara, até aí pouco oscilante, acusa um safanão) Mas o modelo é bom. (Marcelo volta, com uma orelha fora do enquadramento). O problema é que as alemãs não estão à altura . Aborta-se muito na Alemanha. Continua a abortar-se muito na Alemanha, mesmo com aconselhamento obrigatório. E isto porquê? (pausa prolongada, momentânea exoftalmia, o sol nascente reflecte-se nos olhos de Marcelo dando-lhes um poder quase hipnótico, Elisa estremece) Os alemães são gente sólida, a grande filosofia fez-se em alemão, lembre-se disso. No fundo elas dispensam o aconselhamento. Sabem pensar pela sua cabeça (os braços vão regendo a exposição de Marcelo, como um maestro diante de um espelho) Já estão convencidas quando entram no consultório, percebe? O que é que isto significa? Que na verdade não há aconselhamento. Há liberalização! Isto é gato por lebre! Ora eu sou pelo modelo alemão mas em Portugal.
Elisa (jovem): …nhó nhó?
Marcelo (Professor): Ainda bem que toca nesse ponto, Elisa. O progresso. É um facto que a Gay Parade é autorizada há muitos anos pelos autarcas de Berlim. É neste clima progressista que se aceita um modelo como o modelo alemão, mesmo que depois não funcione. Agora lembre-se da resistência que Santana Lopes enquanto presidente da câmara de Lisboa levantou à realização de eventos desse tipo. Santana, note bem. Um homem da noite. (olhar malicioso e algo triunfante) Lembre-se que ainda não há casamentos gay, por exemplo. E se é assim, pergunto: estará Portugal preparado para aprovar o modelo alemão? Não está. O modelo é bom, repito. Não funciona na Alemanha mas por causa das alemãs. Aqui sim, porque as portuguesas... (longa pausa, olhar cabisbaixo, para se erguer com um sorriso cúmplice)... As portuguesas são sensíveis, mulheres delicadas que têm depressões ligeiras e instabilidades momentâneas. Precisam de aconselhamento. O que é que se passa, então? Não há abertura. O modelo nuuuuu…(ligeira flutuação da frequência do som) … uuuunca seria aprovado. E estamos nisto. Há um modelo bom, falta um povo para ele. Os alemães por um motivo. E nós, felizmente… (a voz de Marcelo ganha aqui um registo épico-intimista, como se houvesse música de fundo)... Felizmente que é por outro motivo: recusar o modelo é uma marca civilizacional. Sabe, Elisa, os portugueses não percebem isto, mas o que temos em mão é sobretudo uma questão de identidade nacional. Portugal é falado lá fora por causa desta lei, deste referendo. Isso é bom para o país. Foi de resto o que me levou a inventar o referendo em 1998. Para que ficasse tudo na mesma. Não se queira agora usar o referendo para mudar a lei. Por capricho. Portugal é uma jovem democracia mas já vai sendo tempo de amadurecer.
Elisa (jovem): Muito obrigada.
Marcelo (Professor): Obrigado, Elisa.