Cheira-me que há aqui alguma sazonalidade
«Seria um risco para todos nós como cidadãos que em algum momento podemos precisar de cuidados paliativos», disse o bastonário da Ordem dos Médicos referindo-se à eutanásia.
Quer isto dizer que Pedro Nunes voltou à carga, usando o mesmo tipo de argumentos que em Março do ano passado, aquando de uma sua entrevista à Lusa* que ficou célebre pela fantástica afirmação de que o Código Deontológico, depois de revisto, "poderá dizer o mesmo" embora "de forma diferente". Na altura reagi e, como os equívocos se mantêm, transcrevo o que então referi sobre este assunto específico (triste sina a minha, hoje passo o dia a repetir-me).
Discutir a eutanásia por oposição aos cuidados paliativos é perverso, sobretudo quando se trata do bastonário da OM (Pedro Nunes não estava, nem em Março nem agora, a falar em nome pessoal) e se deixam nas entrelinhas algumas insinuações pouco razoáveis, nomeadamente o primado das razões económicas na defesa da eutanásia.
Reduzir os cuidados paliativos à analgesia é errado e grave. Caso interesse, cf. WHO Definition of Palliative Care.
Sobre as posições pessoais do bastonário face à eutanásia – insisto que é uma opinião pessoal e que não traduz a posição de "todos os médicos" – cito Bruno Maia, «Este começa por dizer que "se um dia o país aceitar a eutanásia, a ordem não poderá punir um médico por matar um doente". Muito nos espanta o desconhecimento sobre os procedimentos da eutanásia de Pedro Nunes, pois só uma profunda ignorância sobre o que está em causa pode justificar que o bastonário ache que eutanásia é um médico poder matar alguém. Depois este afirma que "se forem disponibilizados aos doentes todos os apoios em termos de cuidados paliativos, a dor deixa de existir". Infelizmente Pedro Nunes ainda não percebeu que a dor não é só um fenómeno físico e que há sofrimentos que não são solúveis com medicação. Também ainda não percebeu que a discussão em torno da eutanásia, é mais um debate social sobre o direito à escolha livre, consentida e informada e não (apenas, digo eu) um debate entre médicos sobre princípios éticos. Aliás, princípios éticos cuja decisão de os inscrever num código deontológico está restrita a apenas um pequeno grupo de uma dúzia e não é resultado de um debate profundo que atravesse toda a classe médica.»
*não consigo encontrar o link da entrevista, se alguém o tiver por aí agradeço.