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O triunfo da razão

 

 

No Metro da segunda que passou

 

Por ocasião do bicentenário do nascimento de Charles Darwin e dos 150 da sua obra-prima, a Fundação Calouste Gulbenkian inaugura no próximo dia 12 uma exposição sobre o naturalista a que não deverão faltar, sob pena de as vossas famílias ficarem amaldiçoadas até à 5 geração. Haverá outras homenagens e leremos por aí episódios da biografia de Darwin, os rudimentos da sua teoria e o seu contraditório folclórico. Curiosamente, não só o inglês era recatado e talvez rejeitasse este estrelato, como a sua teoria, feitas as contas, não serve para nada.

 

A vida de Darwin foi regida pela ponderação. A viagem de circum-navegação no Beagle só aconteceu porque um seu tio escreveu uma carta em que rebatia, ponto por ponto, as objecções do pai de Darwin. O famoso “I think”, que encima um dendrograma rabiscado num dos seus caderninhos e que é a representação gráfica da ideia da “ascendência comum” (os seres vivos são uma família), passa mal por eureka - é o próprio Darwin que se refere à Origem das Espécies como um “longo argumento” e a forma como ele, por acumulação, foi forjando a sua ideia parece recriar a ideia em si, pois ele via a evolução como um processo que operava por acumulação de pequenas alterações ao longo do tempo, peneiradas pela sua utilidade imediata na luta pela sobrevivência e procriação (a selecção natural). A reacção à carta de Wallace, o outro naturalista que por via independente chegou a uma ideia parecida e que ameaçava o primado de Darwin sobre o seu trabalho, revelou existir neste homem vaidade e ambição, o que é reconfortante, mas a solução encontrada – um anúncio público conjunto dos dois trabalhos – foi ainda sensata. Sem grande vocação para os confrontos públicos, foi também uma decisão avisada deixá-los ao cuidado de criaturas de sangue na guelra como T.H. Huxley, o seu “buldogue”. Pressionado pela sociedade, a família e o seu próprio percurso (esteve para ser pastor), soa ainda a inadiável corolário do seu pensamento a decisão de negar a Deus o papel de criador do Homem (passo que Wallace foi incapaz de dar). E no fim de um percurso em que conheceu a glória em vida, em vez de fazer de profeta a quem era pedida uma obra mística capaz de restaurar o sentido da vida, Darwin escreveu um último trabalho sobre a importância do excremento  das minhocas.

 

É esta vida racional que este ano se celebra. E com ela as ideias de “ascendência comum” e de “selecção natural”, que são inúteis, amorais e banais. Porquê então celebrar?  Como a coincidência de Wallace sugere, tais ideias estavam maduras em meados do século XIX e prestes a cair da árvore, mas dificilmente se imagina outra cabeça mais digna que a de Darwin onde pudessem ter acertado. E como o próprio escreveu: “há grandeza nesta visão da vida (...) enquanto este planeta vai girando de acordo com a imutável lei da gravidade, inúmeras formas mais belas e mais maravilhosas, de um começo tão modesto evoluíram e vão evoluindo ainda”. Por outras palavras, celebramos porque esta é uma verdade bela e justo o seu descobridor. 

 

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