Do branqueamento da opinião pelo epíteto "científico"
O meu interesse era sobretudo no problema diplomático que Bento XVI e o Vaticano criaram e no contorcionismo dos seus defensores para evitar dar razão aos que interpretam este caso como um erro político primário. Para minha surpresa, noto que o contorcionismo é tal que sou forçado a alargar o meu interesse para os negacionistas. Vamos por partes, mas invertendo a ordem do Pedro, para ir em crescendo.
1. "... eu fico embaraçado quando José Manuel Pureza, dizendo-se "católico", faz campanha pelas causas do Bloco de Esquerda". Que eu saiba, José Manuel Pureza não tem responsabilidades eclesiásticas. Mas se o Pedro vê neste caso um problema, surpreende-me que não inclua nos seus exemplos Frei Bento Domingues, o abortista. Provavelmente os problemas do Pedro também são como os animais da quinta. Como se resolve isto? Qualificando o problema, porque os problemas, ao contrário da pessoas, devem ser qualificados à partida. A sua metáfora orwelliana não faz sentido.
2. " Mas os mesmos que o acusam de transigência, aqui para nós, viriam logo acusá-lo de intransigência se as ovelhas fossem outras". Obviamente. Só para João Miranda é que Williamson é uma espécie de Galileu. O Pedro começa a soar a relativista, mas o seu interesse por pecuária é notável.
3. "O máximo que Ratzinger pode fazer é pedir perdão aos ofendidos (como fez) e exigir ao ofensor que se retracte (como também fez). Sem grande sucesso, diga-se de passagem". O máximo? Por muito que lhe custe, o caso não está encerrado para ninguém. Noto que para o Pedro a autoridade do Papa não sairá minimamente beliscada se Williamson o ignorar. Felizmente, Bento XVI discorda do Pedro e já fez saber que ou Willianswon retira publicamente o que disse ou não reintegra a hierarquia da Igreja católica. O Pedro aqui começa a parecer estar algo desfasado da realidade.
4. "Recordo que a excomunhão do cismático Williamson é uma coisa e a sua negação do Holocausto outra. Não há relação entre as duas". Pois não. A haver relação seria entre a anulação da excomunhão e a negação do Holocausto. Mas o problema ainda existiria se o cardeal Policarpo, que salvo erro nunca foi excomungado, se assumisse como negacionista.
5. E agora a pièce de résistance: "A negação do Holocausto é um disparate científico, mas a Igreja não excomunga todos os católicos que dizem disparates científicos. Se algum bispo, padre ou leigo sustenta que a molécula da água tem três átomos de hidrogénio, não incorre por isso em excomunhão". Isto é extraordinário e ligeiramente ofensivo para as vítimas do Holocausto, mas não me passa pela cabeça pedir que excomunguem o Pedro por ser mais papista do que o Papa. O "científico" aparece aqui para esvaziar a opinião de Williamson de qualquer conteúdo ideológico. O Pedro remete-nos até para as mais puras das ciências, a química e a física. Com mais um pequeno esforço, o negacionismo ascende a teorema. Um teorema disparatado, bem entendido. Como o Pedro consegue chegar aqui, ignorando tudo o que se sabe sobre o anti-semitismo dos membros do clube de Williamson é um mistério. Como o faz tendo em conta que, por causa dos Lisenko e dos Ferdinand Heim deste mundo, o termo "científico" não é necessariamente reabilitador, é um misterio que se adensa. E que esta discussão esteja a decorrer estando em causa a posição de uma instituição que, mais do que qualquer outra, depende da preservação da sua autoridade moral, é praticamente insondável. Enfim, talvez seja uma moda. É verdade que o branqueamento de opiniões moralmente contestáveis pelo epíteto "científico" é uma escola que começa a ganhar adeptos. Temos então o negacionismo promovido a tese científica. O Pedro lembre-se do que escreveu da próxima vez que lhe parecer oportuno comentar certas e determinadas opiniões de Mahmoud Ahmadinejad.

