aritmética e outras métricas
ora bem: um prédio no centro de lisboa é comercializado a partir do início dos anos noventa. segundo um jornal diário,o preço das fracções nessa altura (não é referido o ano com exactidão), andava na ordem dos 78 mil contos. em 1993, uma pessoa comprou um apartamento por 70.200 contos. diz ter beneficiado de um abatimento,ou seja, um desconto de cerca de 10%. mas parece que no ano seguinte, ou seja, em 1994, a tabela de preços da empresa que comercializava os apartamentos apresentava uma descida de cerca de 18 mil contos para o apartamento de referência. sublinhe-se: num ano, o preço desceu 18 mil contos. ou seja, um quarto, ou seja, 25%.
a empresa não apresenta tabela para o ano seguinte porque nesse ano, diz, já não estava encarregue das vendas. nos anos seguintes, há escrituras de vários apartamentos que são, segundo o mesmo jornal, vendidos a preços 'muito inferiores' mas da mesma ordem. o preço de um dos apartamentos, vendido em 1995 e escriturado em 1998, foi de 47 mil contos. ou seja, menos 13 mil contos que o preço de 1994.
a insinuação, claríssima, é a de que todas as pessoas que compraram os apartamentos a partir de 1995 fizeram escrituras por valores mais baixos para se eximirem a pagamentos de sisas elevadas. note-se porém que o jornal confessa que não tinha sequer noção, até fazer perguntas a um dos compradores -- aquele que se visa atingir com a insinuação -- de que a partir de 1995 os apartamentos haviam sido comercializados por outra empresa que não aquela com que falara antes, empresa essa que se disponibilizou a tentar encontrar a tabela em vigor em 1995 para a entregar ao jornal. o jornal, porém, não esperou para ver. publicou.
mas o jornal não fez outras coisas. não se dedicou, por exemplo, a falar com quem, vivendo em portugal -- o que não é o caso do comprador que refere, o tal que comprou em 1993 por 70 mil e tal contos, um emigrante em frança -- comprou um apartamento no prédio no início dos anos noventa e teve informação sobre a evolução dos preços nos anos seguintes. não falou com empresas e especialistas do sector imobilário para saber se a depreciação evidente na tabela de 1994 em relação à anterior (cuja data não conta do texto) é ou não condizente com a informação de que dispõem e se se prolongou nos anos subsequentes. não refere quantos apartamentos há no edifício e quanto tempo passou desde a sua entrada no mercado até à sua comercialização (o que jamais será despiciendo para perceber se houve ou não dificuldade de venda que justificasse a descida do preço).
(por exemplo, teresa barata salgueiro, num texto de 1994 publicado na finisterra (novos produtos imobilários e reestruturação urbana) e facilmente encontrável na net, referindo-se à evolução do mercado imobilário em lisboa, refere uma quebra muito significativa a partir de 1993. e refere-se mesmo ao prédio em causa, na sua vertente de escritórios:
'o héron castilho viu o preço das fracções ser reduzido em três vezes nos últimos meses e continua a ser difícil vender os escritórios a cerca de 540 mil escudos o metro quadrado'.)
nada disso o jornal fez. porquê?