"Quem tem lucro não pode despedir"
A ideia de que as empresas que têm lucro não deveriam poder despedir é mais um daqueles absurdos em que o Bloco de Esquerda é pródigo.
De modo que à pergunta do José Castro Caldas: "Quem é capaz de discordar?", respondo sem hesitação que discordo eu.
Pensem primeiro, se estiverem para aí virados, o que entendem exactamente por uma empresa ter lucro? Que teve lucro no ano passado? Que teve lucro no trimestre passado? Que teve lucro no mês passado?
Mas uma empresa pode ter tido lucro no ano, no trimestre ou no mês passados, e apresentar prejuízo neste ano, neste trimestre ou neste mês.
Que pretende então dizer o Bloco? Que uma empresa que teve lucro no ano passado não poderá despedir no ano corrente? Como seria exactamente a lei que têm em mente se é que em mente têm algo para além do vistoso sound-bite?
Mas eu digo mais: uma empresa rentável pode prever com razoável certeza que em breve deixará de sê-lo quando toma conhecimento que dentro de 6 meses será cancelado um determinado contrato de fornecimento e que no horizonte não se perspectiva nenhuma possibilidade realista de substituí-lo por outro.
Que deverá então fazer o seu gestor? Começar imediatamente a adaptar os diversos recursos de que dispõe tendo em vista a procura futura, ou esperar que a empresa mergulhe no vermelho para só depois fazer alguma coisa?
A resposta parece-me óbvia, sobretudo tendo em conta que os despedimentos demoram tempo e (muito justamente) acarretam custos para a entidade empregadora.
Mas não podem as empresas perder dinheiro durante algum tempo? Podem, e, em certas circunstâncias, talvez devam, se se acreditar que as condições adversas serão passageiras e que a perturbação que inevitavelmente resultará de um despedimento colectivo ameaçar desmoralizar os trabalhadores que ficam.
E, além disso, há ainda, naturalmente, o sentido de responsabilidade moral da empresa perante as pessoas que, apesar de sempre terem dado o seu melhor, assim serão colocadas numa situação dramática. Vale a pena considerar ainda outra questão.
A teoria económica tradicional encara o lucro apenas como o prémio do risco, mas eu tenho boas razões para acreditar que o lucro é antes de mais uma garantia de futuro.
Quero eu dizer com isto que uma empresa que não gera lucros perde a possibilidade de investir em equipamentos, em inovação e em toda a sorte de activos intangíveis, comprometendo desse modo (talvez irremediavelmente) a sua competitividade futura.
De modo que uma empresa que não despede atempadamente e aceita acumular prejuízos por tempo indeterminado pode estar a criar condições para, a prazo, acabar por encerrar as portas e arrastar na sua ruína todos e não apenas alguns dos seus trabalhadores.
Como diz Van Zeller na entrevista que José Castro Caldas cita com manifesto desrespeito pelas palavras do entrevistado: "Tem de ser visto caso a caso e não se pode atirar pedras a empresas que estão muitas vezes a fazer o melhor que sabem e a tentar proteger os trabalhadores."
Em resumo, qualquer gestor dotado de um sentido mínimo de decência deve pensar setenta vezes antes de proceder a despedimentos (sobretudo numa situação como a actual), mas pretender instituir uma lei do tipo da proposta pelo Bloco de Esquerda é algo de uma demagogia sem nome, sobretudo quando a proposta vem de quem deveria ter a obrigação de entender minimamente o que é gerir uma empresa.
É por essas e por outras que o Bloco me provoca urticária.