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corpo a corpo

O papa disse mal do preservativo. Disse-o em África, à chegada aos Camarões,  e a propósito do combate ao HIV/sida. "O preservativo não combate a sida. Só piora". Dos governos francês, alemão, belga, holandês e luxemburguês  às organizações de combate à sida, passando pela nossa ministra da Saúde,  choveram os repúdios.  É normal, claro, que as pessoas se escandalizem com as afirmações em causa, e mais ainda por serem proferidas num país e num continente onde o vírus da sida se transmite e mata a uma velocidade aterradora, sendo que a generalidade dos milhões de infecções e mortes se devem, naquele contexto, a sexo não protegido – o que implica que se o preservativo for mais utilizado se evitarão muitas infecções e mortes. Mas também é normal que o papa diga o que disse – afinal, está apenas a repetir a doutrina vaticana sobre o assunto, doutrina que o seu antecessor, em funções quando a doença foi descoberta,  sempre professou.
 
Para o Vaticano, o sexo é para suceder só no casamento, dentro da mais rigorosa fidelidade, e com vista à concepção. Não há para o Vaticano, com sida ou sem sida, excepção a essa regra, mesmo que a excepção salve vidas. Aliás, quando tomou posse, este papa disse que a luta pelos valores que professa – aqueles que considera “a verdade” – será uma luta “rua a rua, casa a casa”. Uma luta corpo a corpo, portanto. O papa não estremece perante os corpos ceifados pela sida porque para ele o problema é outro – eles pecaram e se não tivessem pecado não tinham sida. Para Bento XVI e para quem como ele pensa (sejam os seus cardeais, João César das Neves ou quaisquer mullahs), o que interessa é a defesa de um “bem superior”, “bem” esse que, convenientemente, se faz traduzir por uns escolhidos. Perfeita ilustração dessa ideia de bem é o discurso de José Cardoso Sobrinho, o bispo brasileiro famoso por excomungar toda a gente que ajudou uma menina de nove anos grávida de gémeos por violação a abortar. À revista Veja de anteontem, Sobrinho assegura que “não é lícito, para salvar uma vida, eliminar a vida de dois inocentes”. Para este homem,  que  reconhece na entrevista nem saber o nome da menina, a vida dela é igual à dos dois embriões. Aliás, vale menos: porque os  embriões são uma ideia de pureza, e ela, com nove anos, já não é “inocente”.

Isto, em todo o seu esplendor, é o catecismo do Vaticano.Confesso ter dificuldade em distingui-lo, no campo dos princípios e dos resultados práticos, do dos selvagens que na Somália apedrejaram até à morte uma menina de 14 anos por ter sido violada. E se só assusta o Ocidente quando o papa vai a África dizer mal do preservativo ou quando um bispo Sobrinho fala é porque só nestas ocasiões, quando exercido num contexto de ignorância e miséria em que ainda pode mandar, nos lembramos dele e do que quer.
 
(publicado ontem no dn)

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