Re:
João,
1-Podes dizer que nunca escreveste literalmente "que o crescimento desmesurado do sector financeiro constitui uma espécie de usurpação da capacidade produtiva do trabalho pelo capital", mas muito do que escreves aponta nesse sentido. Quando relacionas a financeirização da economia com o enfraquecimento do poder dos trabalhadores e o reforço do poder do capital, quando referes as pressões sobre os salários exercida pelos mercados de capitais — tudo isso sugere uma lógica do tipo causal, onde o trabalho e o capital se degladiam e competem pelo poder, pela capacidade de configurar os processos que definem a nossa vida colectiva. Posso estar enganado, mas o teu "institucionalismo radical" não é mais de que o reconhecimento de que a relação capital-trabalho depende apenas de determinadas configurações instituicionais, que são entendidas como um produto da vontade e da escolha política deliberada. Ou seja, ignoras o contexto simbólico que dá sentido a essas escolhas, acabando por defender uma visão tecnológica da política, que tem muitas semelhanças com aquela que é proposta pelos neoliberais.
Dizes que "tudo se joga na política económica e nos arranjos da economia" acusando-me de me afastar dessa discussão. Não é bem assim. Considero apenas que pôr as coisas nesses termos não é suficiente para entender o que está em causa e pode mesmo enfraquecer a tua crítica. Podemos dizer que a tua posição, apesar de todas as críticas aos neoliberalismo, nunca abandona aquilo que Habermas chamou de "paradigma produtivo", que está associado a uma razão do tipo instrumental. Podes dizer: e daí? O meu problema com análises estritamente económicas, mesmo as do tipo institucional, é que elas não abandonam o horizonte interpretativo que também é usado pelo neoliberalismo. Por outras palavras, ambos se movimentam num universo semelhante, dominado exclusivamente por relações produtivas do tipo causal (eficácia, produtividade,...). Enquanto não questionares as ideias de "força" e "produtividade", acabas por não te distanciar assim tanto do neoliberalismo. Ficas refém do seu imaginário e corres o risco de não seres capaz de o criticar na dimensão onde ele foi mais bem sucedido. Dizer que o neoliberalismo é essencialmente uma ideologia usada para mascarar interesses particulares, ignora que o poder não é apenas dominação. O neoliberalismo nunca foi apenas uma teoria económica; ele foi sobretudo uma estética poderosa e extremamente sedutora. Ao desvalorizares isto (chamemos-lhe dimensão de sentido ou existencial), limitas-te a jogar o mesmo jogo, sem ter as suas armas.
2-Eu nunca disse que o pleno emprego ou uma "repartição dos ganhos de produtividade mais equitativa" eram impossíveis. Disse apenas que as tuas críticas à financeirização da economia pressupõem que podemos repartir o rendimento de forma mais equitativa e produzir mais. Ou seja, que a tua crítica se fundamenta num juízo que carece de fundamentoe justificação. Atenção: não digo que seja errado; apenas que é simplesmente assumido, pressuposto como válido, sem nunca ser discutido. Eu não digo nada nem avanço com qualquer tipo de juízo definitivo; és tu que o fazes.
Um abraço