Shots ou contentores
A nossa longa costa atlântica tem apenas dois portos naturais razoáveis: Lisboa e Setúbal. Comparem esta penúria com a abundância de abrigos que a Galiza e a Cantábria oferecem às embarcações, e terão uma ideia do problema que isto representa.
Essas condições naturais contribuiram de forma decisiva para que Lisboa se tornasse na capital do país e a sua área metropolitana na região mais desenvolvida, centro de atracção das mais variadas actividades industriais e de serviços.
Os anos passaram, mas a importância do porto de Lisboa para a economia da urbe permaneceu. A teimosa subalternização das necessidades da sua operação em relação às actividades de lazer só pode ser desculpada pela ignorância do modo como funciona a cidade.
Naturalmente, a organização da cidade deve equilibrar as exigências da produção com as do lazer, mas não há qualquer indício de que estas últimas estejam a ser desprezadas, bem pelo contrário.
Para quem ainda não reparou, de Lisboa a Cascais há uns trinta quilómetros de frente ribeirinha reservada a praias, portos de recreio, esplanadas, restaurantes, jardins e passeios públicos. Somos uns privilegiados, e continuaremos decerto a sê-lo.
Mais ainda, ao longo das últimas décadas foram alargados e melhorados drasticamente os espaços públicos confinantes com o rio, tanto a montante (Parque Expo e Santa Apolónia) como a juzante (zona compreendida entre o Cais do Sodré e Algés).
Se erro houve, esse terá sido o de descurarem-se um tanto as actividades portuárias em detrimento das de lazer. Que sentido faz então proclamar-se em tom enfático: "Lisboa é das pessoas, mais contentores não"? Nenhum, diria eu.
Dentro de certos limites - que não foram nem estão em vias de ser ultrapassados - mais contentores contribuem para que as pessoas vivam melhor. Quanto mais não fosse, porque neles se transportam as Corona, Budweiser e Tsing-Tao que depois são consumidas nos bares.
O porto é uma parte vital da cidade, há que cuidar dele. Há que saber merecê-lo.
(To be continued...)

