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jugular

mistérios pilosos

A primeira pessoa que me chamou a atenção para o fenómeno foi Billy Crystal. Sim, um actor americano. Não, não estou a insinuar que sou tu cá tu lá com o Billy. Foi mesmo num filme, salvo erro intitulado em português “A vida, o amor e as vacas” (City Slickers, 1991), do qual recordo apenas duas coisas: que metia o Jack Palance (adoro o Jack Palance, com aquela cara cortada à navalha, olhos de réptil e voz roufenha) e foi até, creio, o último filme dele, e que o Crystal falava disso.  

 

Disso o quê? Ora bem, o filme é sobre homens em crise de meia idade e há uma cena em que ele, o Billy, está ao espelho de tesoura em punho a tentar extirpar pêlos das orelhas e nariz. E a dizer: “Por qualquer razão misteriosa, quando andamos para velhos, os cabelos começam a rarear no sítio onde fazem falta (cabeça, nomeadamente) e aparecem onde não fazem qualquer sentido. Qual será a função biológica de pêlos nas orelhas ou no nariz ou nas costas, ou de sobrancelhas encaracoladas?” Bom, sou capaz de estar a citá-lo um bocadinho ao meu gosto, mas já lá vão 18 anos desde que o filme estreou, e a ideia era basicamente esta. Ora tenho para mim que o Billy tem toda a razão, e adorava conhecer estudos científicos sobre este magno assunto. Do género de estudos que explica, por a mais b, que há um motivo para os desgraçados dos homens ficarem cada vez mais parecidos com gnomos peludos e carecas à medida que se aproximam dos 50, assim, digamos, como há motivo para as mulheres ficarem com a pele flácida e verem precipitar-se no sentido descendente algumas partes particularmente apreciadas e antes tão altivas da sua anatomia. Sabemos, ou julgamos saber, por que raio essa catástrofe sucede às mulheres: é que, dizem os especialistas e reparamos nós próprios, isso tem a ver com o declínio da fase reprodutora, que na mulher, como é sabido, termina abruptamente algures a meio da vida. Pode ser uma coisa horrível, mas parece fazer algum sentido: as mulheres deixam de ser tão atraentes porque é suposto deixarem de atrair. Agora esta coisa de crescerem pêlos nas costas e orelhas dos machos, que objectivo da madrasta natureza servirá, já que para eles supostamente a idade reprodutora não termina? É que assim à primeira vista só serve o objectivo do enriquecimento de fabricantes daquelas maquinetas especiais de rapar pêlos em forma de cilindro (para enfiar no nariz e no pavilhão auricular) e dos institutos de estética. Isto na melhor das hipóteses, porque na pior serve para desgostar até ao vómito as pessoas que convivem com os pobres gnomos.  

 

Sim, porque, por incrível que pareça, para além de ser praticamente impossível encontrar outra explicação para este escândalo piloso que não a de tornar repelentes e imprestáveis os homens de meia idade (o que contradiz as determinações ditas naturais, ou seja, a tal relação entre o bom aspecto e a capacidade reprodutiva), a generalidade dos ditos parecem indiferentes ao facto, nada fazendo para contrariar quejandos desígnios maléficos da biologia. A coisa é tanto mais incompreensível quanto é razoavelmente fácil combater o flagelo. Basta ter o cuidado de aparar as sobrancelhas e o pelame do nariz mais das orelhas. Custa assim tanto? Não, não custa nada. Admite-se que rapar os pêlos do peito ou das costas dá trabalho e pode até doer e que, tradicionalmente avessos a tudo o que doa, os representantes do chamado sexo forte (cof, cof – que ataque de tosse) fujam disso como o diabo da cruz, mesmo se acham a coisa mais óbvia do mundo que as mulheres se apresentem sempre devidamente depiladas. Mas andar de tufo no nariz e nas orelhas, a que propósito?  

 

Não há volta a dar: só se pode concluir que os homens, ao contrário das mulheres, que desafiam com galhardia e altivez todas as chamadas leis da vida, se resignam com enorme facilidade – talvez mesmo alívio -- à decadência. Talvez estejam, quiçá, convencidos de que continuarão a ser apreciados pela sua personalidade, ou acreditam mesmo que o amor é cego. Pois sim.

(publicado na coluna 'sermões impossíveis' da notícias magazine algures em março)

2 comentários

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    f. 12.04.2009

    oh, antónimo. ainda bem q gostou. fico tão contente.
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