Do legislador com amor
Por dever de ofício tive recentemente que me debruçar sobre o Código dos Contratos Públicos (CCP), que entrou em vigor em Julho passado. A coisa é um verdadeiro tratado sobre como não legislar, não me refiro à substância, mas à forma. Um texto difícil de trabalhar, cheio de remissões para remissões - remissões para artigos posteriores e artigos anteriores. Excepções a excepções e devaneios do género, que prometem dar cabo da cabeça aos infelizes que com o dito tiverem que trabalhar, tudo feito ao melhor estilo a jurisprudência que resolva. Mas a tudo isso o legislador, essa figura mítica que ninguém parece conhecer, já nos vem habituando - são as chamadas leis feitas a 50 mãos, sem fio condutor, sem eixo orientador.
Neste código, como se não fosse suficiente o emaranhado que atrás descrevo, somos ainda brindados com o artigo 228º, que passo a citar, chamando especial atenção para o brilhantismo do respectivo n.º 2, de que sublinho a parte interessante:
Artigo 228.º (Anonimato)
1 — No concurso de concepção, qualquer que seja a modalidade adoptada, a identidade dos concorrentes autores dos trabalhos de concepção apresentados só pode ser conhecida e revelada depois de elaborado o relatório final do concurso.
2 — A entidade adjudicante, o júri do concurso e os concorrentes devem praticar, ou abster -se de praticar, se for o caso, todos os actos necessários ao cumprimento do disposto no número anterior, nomeadamente no que respeita ao acesso aos documentos complementares referidos no n.º 3 do artigo 226.º.
Em suma, devem praticar ou abster-se de praticar todos os actos necessários à preservação do anonimato. Belo!