Retrato de um Portugal alternativo
Manuela Moura Guedes, incorrendo num manifesto erro de apreciação do carácter de Marinho e Pinto, convidou-o para o habitual desfile de sexta-feira. Claramente, MMG não fazia ideia de quem era MP, tirou mal as medidas ao adversário e a coisa deu no que deu. Quem diz o que quer, ouve o que não quer.
Curiosamente, isto aconteceu precisamente na única entrevista em que eu poderia subscrever algumas palavras da apresentadora do show – designadamente, ao demonstrar a contradição em que MP incorria por não convocar agora a assembleia-geral a que, há cerca um ano atrás, perspectivando - mas não crendo - em tal cenário, tinha dito sim, senhores, não deixarei de o fazer.
Ao contrário de algumas opiniões que tenho ouvido, incluindo a do eclipsante Carlos Abreu Amorim, tenho a certeza que MP não ia preparado para o que sucedeu, o mesmo que dizer que não tinha planeado aquele tipo de reacção, nem sequer como plano B. MMG foi enchendo o copo, naquele seu aprazível estilo gota-a gota, e deu-se o inevitável. MP, honra lhe seja feita, não é de mandar recados e não reage a frio, que acredito será o equivalente dele ao conceito de extemporâneo.
Só quem não conhece MP, e seria o caso da MMG, poderia esticar tanto a corda perante tal competidor (foi assim que a entrevista foi pensada: como um duelo).
Embora tenha apreciado algumas das verdades que MP bradou, não posso deixar de sublinhar que, mais uma vez, MP se esqueceu do cargo que ocupa. Esqueceu-se que quando fala, falamos todos, quando asneia, asneamos todos. Mas, ninguém mo tira da cabeça, MP tem a sua agenda fora da Ordem – não sei se política, se extra-política, mas tem-na. Claramente. Poderia elencar mais motivos, mas quedo-me pela inusitada proposta de revisão dos estatutos e a retirada, para a frente e em força, de apoios aos conselhos distritais.
Entretanto, o capital, chamemos-lhe mediático, que MP já amealhou começa a ser apetecível para grupelhos políticos cujo discurso demagógico não difere muito do daquele. Não há pedra que não revolvam, desgraçados a que não acudam, incêndio que não ateiem para depois fazer de conta que o apagam. MP, de metralhadora na mão, atira a torto e a direito, no que faz lembrar aqueles jogos de computador onde seria suposto matarmos apenas os maus que nos aparecem. Para MP e para quem o há-de apoiar noutras guerras, parece ser legítimo, e porque não?, arrancar o sobreiro se tal for necessário para abater a erva-daninha.
A ironia de tudo isto é que, o traço final do perfil que MP procurava desenhar para si foi feito, ao estilo do feitiço que se vira contra o feiticeiro, no menos expectável dos cenários, tendo em conta as recentes declarações de MP sobre o caso Freeport. Na TVI.
Entretanto, mudando de dia, e para baralhar mais ainda cabeça aos extra-terrestres que nos perscrutam, a ERC deliberou. E quando a ERC delibera tudo pode acontecer. Desta feita, começa por reprovar “a actuação da TVI por desrespeito de normas ético-legais aplicáveis à actividade jornalística”, após o que a insta (o quer que isso queira significar em termos de acção-reacção pretendida) a cumprir de forma mais rigorosa o dever de rigor e isenção. Qual seja, exactamente, a consequência do desrespeito por tão impositiva advertência ninguém suspeita. De seguida, e já no domínio do melhor nonsense, a ERC considera “verificada, à luz da análise efectuada, a possibilidade de a TVI ter posto em causa o respeito pela presunção de inocência dos visados nas notícias”. Considera verificada a possibilidade! Estamos, pois, perante um juízo em que o decisor não tem a certeza do que decide, porque, convenhamos, considerar verificada a possibilidade de algo ter acontecido é exactamente o mesmo que considerar verificada a possibilidade de algo não ter acontecido. E, na dúvida, absolva-se. Foi isso que a ERC, sem dizer, quis dizer – e curiosamente, ou talvez não, no mesmo ponto onde alude ao instituto da presunção de inocência. E para que ninguém fique com dúvidas, lá vai outra no cravo: a ERC reafirma, “sem prejuízo do antes exposto, o papel desempenhado pelos órgãos de informação nas sociedades democráticas e abertas como instâncias de escrutínio dos vários poderes, designadamente políticos, sociais e económicos”. Reafirmar sem prejuízo do antes exposto, quando o antes exposto é incompatível com que ora se expõe equivale, salvo melhor opinião, a dar o dito por não dito. Que é como quem diz, para a frente é que é o caminho.
Confusos? Habituem-se, que este retrato à desgarrada promete ser o do Portugal dos tempos que hão-de correr.
Em tempo: "O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas considera reprovável o desempenho da jornalista Manuela Moura Guedes na condução do "Jornal Nacional - 6ª", na sequência da discussão que a apresentadora teve em directo com o bastonário da Ordem dos Advogados." [DN]