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Perguntas a Cavaco

Como se já não bastasse um primeiro-ministro acossado, procuradores da República sob suspeita, um provedor da Justiça incapaz de ser eleito e um ex-conselheiro de Estado amnésico, só nos faltava agora um Presidente da República a fazer negócios altamente vantajosos com a empresa responsável por um dos maiores buracos financeiros na história de Portugal. Não admira que o Parlamento se entusiasme tanto com a santificação de um português do século XIV. É que hoje olhamos à nossa volta, procuramos uma referência moral onde encontrar algum conforto, e a sala está assustadoramente vazia.

Cavaco Silva meteu-se numa triste embrulhada. O triângulo composto por Dias Loureiro, o comunicado de Novembro negando qualquer ligação ao BPN e a manchete do último Expresso, que garantia que o Presidente da República ganhou 150 mil euros no espaço de dois anos através da venda de acções da Sociedade Lusa de Negócios (detentora do BPN), é péssimo para a sua imagem. Ponto por ponto:

1) Cavaco deu protecção política a Dias Loureiro muito para lá do que era admissível. Independentemente de tudo o que ele possa ter feito no BPN, desde que o caso surgiu o ex-ministro foi apanhado em contradições inexplicáveis e mostrou um total desrespeito pela Comissão Parlamentar na primeira vez que foi ouvido. O papel de Dias Loureiro agravou-se de dia para dia com Cavaco a ver, e até na hora da saída do Conselho de Estado o Presidente deixou palavras em sua defesa. Porquê?

2) O comunicado de Novembro onde Cavaco sublinhava nunca ter tido nada a ver com o BPN é agora uma batata quente nas suas mãos. É certo que, tecnicamente, a SLN não é o BPN, mas isso é um preciosismo que só aumenta as suspeições. Cavaco omitiu o que não devia ter omitido, refugiando-se num detalhe que é verdadeiro na letra mas falso se olharmos para o espírito do que estava em causa. O que fica é a sensação de o Presidente ter feito tudo para esconder a existência das acções da SLN. Porquê?

3) Os contornos do negócio revelado pelo Expresso tornam-se assim muitíssimo embaraçosos: obter um lucro de 140% num curto espaço de tempo, através da venda de acções de uma empresa que nem sequer está cotada em bolsa, é daquelas jogadas que fazem a alegria dos especuladores mas que ficam mal a um Presidente da República. Recusar dar explicações sobre este negócio com o argumento de que na altura não desempenhava cargos públicos - como terá dito ao Expresso - é, no mínimo, coxo. E em nada contribui para aquela seriedade no modo de fazer política que Cavaco Silva tanto gosta de apregoar. Portugal já está bem servido de escândalos. Dava jeito que o Presidente não se enfiasse em mais um.

 

Joao Miguel Tavares, Diário de Notícias

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