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Rui Tavares: Falta futuro

O título da crónica de hoje é plagiado. Do jornal de ontem, na crónica de Teresa de Sousa. Mas tenho uma desculpa esfarrapada: Teresa de Sousa plagiou-me por antecipação (ao terminar de ver a entrevista a José Sócrates, foi "falta futuro" que escrevi num bloco de notas).

E tenho outra desculpa menos esfarrapada: a ideia de Teresa de Sousa é importante, e que precisa de ser reforçada. Vivemos neste momento, em Portugal, encerrados num debate sobre o caso de ontem e a justificação de hoje. Jornalistas, primeiro-ministro e oposição, antes e depois daquela entrevista, vivem empenhados num exercício de justificação que é no essencial sobre o agora e o pouco antes. O problema é que isso deixa de ser política. José Sócrates falou, eficazmente até, mas apenas de administração: porque fecha aqui e não ali. Perdeu-se o longo prazo. Perdeu-se até o médio prazo, numa compressão temporal que torna tudo estático.

Antes, o debate do défice tinha as suas limitações, mas um resto de dinâmica: "as coisas vão ficar pior antes de poderem ficar melhor". Agora, combater o défice ainda pode ser uma tarefa, mas já não é um debate: as alternativas a ele nunca foram persuasivas e, além disso, não vamos passar os próximos oito anos a falar do que falámos nos últimos oito anos.

A conversa sobre o défice está pois esgotada e isso é crucial, porque a política é fundamentalmente uma conversa colectiva sobre o futuro próximo. Mas atenção: se o país passar de "porque é que a urgência do SAP de Alcanhões fechou hoje" para discutir "o destino do ser português" as coisas não mudam, e não é porque qualquer destes temas seja irrelevante. É porque eles só se tornam relevantes quando forem compreendidos como um ponto numa trajectória: é daqui que chegámos, e é para ali que queremos ir. <!--[endif]-->

Isto parece fácil, mas não é. Antes que os políticos se entusiasmem, o que se pede não é um discurso grandiloquente sobre "o sonho", "a visão" e "a esperança", à la Barack Obama. É muito mais simples, e mais difícil, do que isso: o que gostariam de ver acontecer no Portugal dos próximos quatro ou cinco anos? Qual é o debate que consideram central? Não vale responder: "a justiça", "a saúde". Isso é um tema, não é um debate. Um debate será, no mínimo, um tema e um argumento, e um objectivo que esse argumento justifica. Perdida a ocasião ideal do referendo ao Tratado de Lisboa, falta um ano e meio para as próximas eleições. Quem tiver uma história sólida para contar, será entendido.

 

O neoliberalismo tinha uma história para contar: "Cuidem da economia que a economia cuida do resto." Essa história está em crise e o último a acreditar nela fica para trás. O problema é que não há nada para o que vem depois, a não ser medidas avulsas e às vezes oportunistas. Nos EUA faz-se intervencionismo, no Reino Unido nacionaliza-se um banco, na Alemanha pede-se harmonização fiscal e na França exige-se a politização do Banco Central. Em Espanha fecha-se um ciclo económico. Onde estamos nós? Para responder, precisamos de um horizonte menos compacto, em tempo e em geografia. Mas, para já, até o título da crónica de hoje é plagiado da crónica de ontem.

(Público de 20.02.2008)

 

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