...e que ainda não vi escritas no muito que vi escrito sobre ela nestes dois últimos dias (mesmo depois disto, disto e mais isto ). Que nos anos 90 foi vice-presidente do EFDO (european film distribution office), o braço do então pioneiro programa europeu MEDIA para apoio à distribuição de filmes europeus. Que já antes andara a promover internacionalmente o cinema português com a Uniportugal, distribuidora que fundara nos anos 80, a meias com Renée Gagnon. E que sim, que o cinema sempre fez parte da vida dela, desde que fugia para o bairro proibido da Lourenço Marques Ilha de Moçambique dos anos 50 para ir ver filmes indianos ao ar livre, desde que o cinema italiano lhe moldou a entrada na vida adulta (em Entre/Vistas, um dos 3 livros que reunem as entrevistas que fez para a Pública, há uma conversa com Tonino Guerra, poeta, argumentista, compagnon de route de Fellini e Antonioni, a quem ela trata por Maestro, que diz muito sobre esse "amor pela profundidade das imagens"), desde que partilhou a vida com um dos mais (a palavra está gasta mas ele não) irreverentes realizadores portugueses, Fernando Lopes. Escreveu argumentos, colaborou em filmes, deu a ver filmes - o programa Olhos nos Olhos, que concebeu e apresentou na RTP 2 em finais dos anos 90, trouxe à televisão documentários raros que eram sempre o mote para conversas luminosas. Lembro-me de Agustina a falar sobre o corpo a seguir a um filme cheio de mulheres, de todos os tamanhos e idades, nuas, lembro-me de Pacheco Pereira a comentar filmes de propaganda soviética, lembro-me das memórias do último capitão da Sagres quando ainda era um navio bacalhoeiro. E também me lembro - e a propósito dos sempiternos tachos e outros trens de cozinha trazidos à colação pelos ignorantes do costume - que saiu pelo seu pé da assessoria de cultura de António Guterres, 2 anos depois de ter sido convidada; que conheceu Jorge Sampaio nas lides associativas da Faculdade, nos anos 60; que sempre elogiou o trabalho de Manuel Maria Carrilho no Ministério da Cultura; e que encabeçou a campanha pela recondução de Bénard da Costa na direcção da Cinemateca quando Isabel Pires de Lima - essa, a Ministra da Cultura do governo socialista - se propôs reformá-lo.
Estas são as coisas que qualquer pessoa pode saber sobre Maria João Seixas. Estão escritas, publicadas, filmadas, gravadas, arquivadas. Só não vê quem não quer ver. Eu, há duas ou três coisas que sei dela. Que conta anedotas como um sofisticado taberneiro; que dança a marrabenta como se não houvesse amanhã; que joga cartas com a ferocidade de um pistoleiro; que é verdadeiramente incompetente a dobrar a espinha.
Maria João Seixas tem um mundo que nunca mais acaba e gosta de o partilhar. É por isso que João Bénard da Costa, lá onde estiver com a sua gente muito lá de casa, há-de estar a rir. Ele que lhe abriu a sala da cinemateca para celebrar o seu aniversário - e celebrar uma paixão da infância, o filme Prestígio Real, de Mehboub Khan, com os amigos - e que, há 10 anos, a convidou a ser sua subdirectora (o lugar era para ficar vago mas não ficou), sabe que a casa do cinema lhe fica muito bem entregue.
Uma pessoa começa o ano a juntar-se ao quase meio milhão dos que por via da crise ou quejandos passam a reportar ao centro de emprego. Uma pessoa descobre que o dito fica mesmo ali no bairro, é só descer, virar uma esquina, dobrar outra e pronto já lá está (e isto não é despiciendo, daí em diante a pessoa está obrigada ao “dever de apresentação quinzenal”, i.e, a fazer o trajecto a cada 2 semanas*). Uma pessoa lá vai inscrever-se, recebe uma senha cor de rosa (há 3 cores no sistema), nem espera por aí além e é recebida por uma profissional cortês, eficiente q.b. e capaz de esclarecer quase todas as dúvidas que a desempregada neófita traz consigo. A pessoa sai do centro de emprego com um suspiro de alívio e a certidão do seu novo estado debaixo do braço: uma pasta catita em cuja capa se pode ler, a verde (esperança?), - Em acção para o emprego - dossiê de apoio e cujo interior está recheado de separadores verdes. É um arquivo pessoal para ser preenchido com o plano pessoal de emprego*. A pessoa desempregada tem um momento de reminiscência dos seus anos escolares, descobre numa gaveta a coisa de fazer furos e começa a dispor folhas na pasta catita e de argolas. Tem um plano que é pessoal e é de emprego e não vê a hora de o pôr em acção*. Passados nem bem 30 dias recebe um cheque no correio. O seu primeiro subsídio de desemprego, ena. O fundo optimista da pessoa desempregada pensa - o sistema funciona e congratula-se. Começa a marcar reuniões com vista ao plano que é pessoal e é de emprego. Um mês e meio mais tarde a pessoa desempregada abre o envelope em correio registado que contém o documento essencial para dar início ao processo de candidatura para deixar de ser uma pessoa desempregada: a declaração da Caixa de Previdência a que pertence, estabelecendo o montante do subsídio de desemprego a que tem direito e o período durante o qual este é concedido. A pessoa desempregada recorre a todas as técnicas zen de que ouviu falar para não desatar aos berros no meio da estação dos Correios - aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaargh
Hoje à noite, pela última vez em Portugal, sobem ao palco do Teatro Maria Matos 5 cães pastor belga, 5 treinadores, 1 psiquiatra, 1 filósofo, 1 actor e 1 bailarino. O autor (o próprio prefere dizer-se gerente) chama-se Michel Schweizer e o espectáculo Bleib opus#3. Num palco onde grande parte do elenco não fala, discute-se tudo: política e manipulação, liberdade individual e ditadura do consumo, parentalidade e educação. Discute-se uma sociedade em que o deus ditador foi substituido pela ditadura do objecto desejado, uma sociedade que em vez de cidadãos tem agarrados nunca satisfeitos pelo mercado, uma sociedade em que já ninguém quer ser o educador, o dominador, e em que tudo funciona por contrato. Discute-se a passagem da sociedade de consumo à sociedade de consolo, munida de drogas para qualquer estado de alma, da necessidade de euforia à necessidade de aquietação. Discute-se e encena-se o "homem sem gravidade" que, num mundo auto-regulado e convenientemente dopado, já não precisa de se dar ao trabalho de pensar. Além de um dos mais lúcidos e lúdicos espectáculos que vi este ano, Bleib opus #3 é, como eles dizem, uma acção "certamente artistica mas, principalmente, política". Corra, vá, pode ser que ainda apanhe bilhete.
Há minorias oprimidas em Portugal? Não. Mas toda a gente tem os mesmos direitos?assim tipo, digamos, casar-se com quem bem entender? Não Mas não há minorias oprimidas em Portugal? Não A constituição portuguesa proíbe qualquer tipo de discriminação em função da raça, credo ou orientação sexual? Sim. Quer dizer que qualquer cidadão, pagador de impostos, no pleno exercicio da sua cidadania, não tendo cometido qualquer crime, tem os mesmos direitos perante a lei? assim tipo, digamos, casar-se com quem bem entender? Não Mas não há minorias oprimidas em Portugal?Não
Palavra de honra, às vezes acho que os senhores gato fedorento andam a baixar o nível das pessoas que subcontratam (especialmente quando fazem hacking ao Prós e Contras).
Resolvi finalmente fazer as contas, não há como os números para uma pessoa ser levada a sério.
731 manhãs em que acordei a respirar como deve ser. 22 – 22: empate técnico entre os anos em que sim, e os outros em que não (com vantagem para os últimos, que têm mais futuro). Quebra de 50% nas idas à manicure e de 40% na utilização da máquina de lavar roupa. 5 ou 6 objectos caseiros que não têm que ser despejados e limpos várias vezes ao dia todos os dias (só quando há visitas). Incontáveis (esta é difícil de medir) crises de ansiedade por não os ter que não tive. 3780 euros limpos arrecadados (só em matéria prima e que tenciono esturrar em mimos). 21600 cigarros que não fumei. Maço e meio por dia, mais coisa menos coisa, 540 maços por ano, 1080 à data. And counting.
O reinado lucky strike finou-se há precisamente 2 anos.
Há 1 ano, empoleirada num banco alto do São Luiz, vi pela primeira vez Pina Bausch dançar. Achava que sabia tudo o que havia para saber sobre o Café Müller, coreografia de 1978 que ela por uma vez interpretava – bailarina extraordinária, aluna mítica da Julliard, solista do Folkwang Ballet, Pina deixou de dançar em palco quando se tornou coreógrafa e directora do Tanztheater Wuppertal em 1973, dizia que não tinha tempo – , desde a resolução de convidar os bailarinos mais chegados para entrarem nela, à exigência deles de que ela dançasse também, à decisão de o continuar a fazer mesmo depois de Rolf Borzik, cenógrafo com quem dividiu trabalho e vida e que também entrava em palco, morrer em 1980 (desde que Dominique Mercy, um dos bailarinos que a acompanha desde os anos 70, continuasse em palco também). Sabia da importância histórica desta peça na dança contemporânea (com as outras coreografias que criou nessa altura, mas muito com Café Müller, Bausch marcou um antes e um depois no que entendemos por dança hoje e para sempre. Houve que inventar uma nova classificação para conseguir dar nome ao que ela fazia, ficou teatro-dança para esse trabalho que continua e leva longe o tanztheater alemão, cruzando todas as artes), do furor que fez em Berlim e depois no mundo. Tinha visto registos artesanais (Pina não queria a peça filmada, há pouquissímas gravações) e a homenagem de Almodovar em Fala com Ela, sabia do Purcell na banda sonora. Mas nada do que eu sabia ou julgava saber me tinha preparado para aquilo. Chorei do principio ao fim e saí de lá com a absoluta certeza de ter experimentado uma coisa extraordinária, comum, rara e universal.
Dizia ela (numa bela e rara entrevista a Vanessa Rato, no Público, há 1 ano) - “É difícil falar de certas coisas. Como é que se pode falar deste desamparo que temos no mundo? O que é que fazemos com isso? Carregamos isso, esses sentimentos tão presentes. E há uma grande necessidade de gastar emoções. Não é só felicidade. É também o oposto disso. (…) Eu também não sei. Há mais perguntas que respostas. Há muitas perguntas.”
...explicado às criancinhas pelo senhor Bob Geldof, à laia de comentário à posição do nosso Ministério da Cultura que já anunciou que não vai apoiar a directiva que prevê a extensão do prazo de protecção dos artistas intérpretes e executantes de 50 para 70 anos, aprovada no dia 23 de Abril no Parlamento Europeu, com 377 votos a favor, 178 contra e 37 abstenções. Nos Estados Unidos o prazo é de 95 anos. Portugal faz parte de uma minoria de seis países europeus que bloqueia a aprovação desta lei em Conselho de Ministros. Porquê, perguntam vocês? Join the band.
sou eu e a primavera, voltámos. Registo que o Papa - e por conseguinte a Igreja (e alguns bispos em particular) - continua a querer salvar o mundo (pena os danos colaterais), que a banca pública continua a laborar para proteger os interesses públicos, que aqui na jugular continuamos a pertencer ao comité central governativo, e que questões que não interessam nada a ninguém , como a violência doméstica ou a igualdade de direitos perante a lei, permanecem casmurramente na ordem do dia. A coisa carece de um ou dois comentários (e não esquecer o desemprego, posso até descrever a atmosfera de um centro de emprego para juntar aos números em questão) mas agora tenho que ir ali fazer uma coisa.
Enquanto o TPI decide se vai ou não emitir o mandato de captura em nome do presidente do sudão e este continua a fazer saber que justiça é coisa que ele come ao pequeno almoço, vale a pena ler Desmond Tutu ontem no NYT e, de caminho, espreitar o site The Elders (a minha espécie de filiação política, pronto). E já agora, fazer figas.
Peço o credo emprestado a Natália Correia neste dia de pregadores. E junto-lhe o homem que hoje tornou reais vários impossíveis. Barack Obama, o canhoto, começou.